(O personagem trajado
de paletó, gravata, calças e sapato vai ao meio do palco. Segura uma cadeira. A posiciona com o assento
contrário a plateia e senta-se. Olha para a plateia como em um reencontro.)
Olá!
Bom te ver.
Bom ter essa
prosa com você.
Faz tempo
que não falamos..
Como vai a
vida?
Vejo que
cresceu bem desde a última vez que te vi.
Já está gente
grande, hein?
Mas e a
cabeça tá boa?
Ou fazendo
tanto besteira que na hora de pensar..
Cadê meu
cérebro, né?
Aprontando todas
Mas, trabalhar
que é bom, nada hein?
Não é boa
coisa não, sem vergonha!
Mas sabe
que...eu até que eu esperava isso?
Verdade, já
estava escrito
Reparando o
jeito que você tratou seus pais...!
Quer dizer...
sei que eles eram meio estranhos.
Não entendiam
a modernidade.
Mas não
precisava MATAR eles, precisava?
Crueldade!
Que falta de
amor!
Você
preferiu matar seus pais do que dividir sua casa.
Só que a
casa já era deles antes!
Você nem
ligou!
Tomou a casa
e fez uma festança atrás da outra, certo?
Comes e bebes
a vontade!
Sacanagem de
monte!
Arrebentou
com tudo!
Seus amigos
até roubaram as coisas da família!
Mas você,
tão louco, , nem percebeu!
Agora, olha
aí...!
Casa
arruinada.
Sem dinheiro.
Fudido!
De boa? Isso
mesmo que eu falei...
Tá aí você!
FUDIDO!
FERRADO E
MAL PAGO!
A casa dos
teu velhos
era tão
bonita!
Decorada.
“Do coqueiro que dá coco.
De noites claras de luar.
A gente ouvia as fontes murmurantes
E matava a sede.
Com a lua brincando no céu”; (1)
“As
palmeiras, o Sabiá;
As flores das várzeas;
Uma casa tão viva, cheia de amores!” (2)
E agora,
tanta miséria!
Agora , que
ponto chegamos!
Satisfeito?
Que você
tem?
Que sobrou
pra gente?
(Levanta-se, revoltado,
joga a cadeira para longe. A cada sentença arranca, rasga uma peça do vestuário
fazendo aparecer a maquiagem corporal.)
Isso? Não é
nada! –(roupa)
Isso? Não é
nada! –(roupa)
Isso? Não é
nada! –(roupa)
Isso? Não é
nada! –(roupa)
Isso? Não é
nada! –(roupa)
E aí? Que me
sobrou?
O que
sobrou???
Só sobrou o PAU!
Qué sabê?
Nem o pau!
Não tenho nem
pau para mostrar!
Você se
aproveitou do meu pau faaazzz teeeempo, vagal!
Que foi?
Que cara é
essa?
Não lembra
de mim, não?
Já esqueceu?
Lembra de
mim, não?
SOU TEU PAU,
FILHO DA PUTA!
Pau Brasil!
FuI teu
padrinho, te batizei povinho sem vergonha!
Sou teu “dindo”,
vivia nesta casa antes de vocês,
Antes de
teus pais índios.
E apesar de
tantos filhos adotivos
foram todos
recebidos...
E vocês fizeram
O QUÊ?
Desgraçaram com
tudo!
Os amigos
dos seus pais que eram:
A mata,
As águas,
O céu!
Foram todos
abusados.
Todos
judiados!
Até eu!
Eu que fui
seu padrinho, te dei nome!
Fui vendido!
Cortado!
Queimado!
Desperdiçaaaaaaado!
Esquecido!
Virei menos
que lembrança ruim.
Que vergonha
ter te dado meu nome!!!
Que vergonha
de ser Brasil!!!
Que vergonha...Brasil!
Que
vergonha, Brasil!
Mas agora,
pra vocês saberem:
Eu não sou
mais pau brasil!
Não me
ofendam mais!
Daqui por
diante, eu sou só o pau!
Pau nervoso!
Pau que
bate!
Pau cacete!
Pau na mesa!
Pau na mesa!
O pau que
vocês merecem seus sem vergonha!
Tome o pau!
Pau no Brasil!
Pau no
Brasil!
Pau no
Brasil!
Por Oto Sales
(1)Aquarela
do Brasil-Ary Barroso
(2) Canção
do exílio – Gonçalves Dias