Panacéia dos Amigos

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quarta-feira

LOURENÇO MUTARELLI: GENIALIDADE INSANA DAS HQS

 
Lourenço Mutarelli (São Paulo, 18 de abril de 1964) é um escritor e desenhista de histórias em quadrinhos brasileiro. 

Cursou a Faculdade de Belas Artes. Durante três anos, trabalhou nos estúdios de Maurício de Sousa, no começo como intercalador e depois como cenarista, onde conseguiu deixar um pouco de sua marca sombria. 

Entusiasmado pelo grande número de revistas que surgiram na década de 1980, tentou publicar suas histórias, mas elas eram consideradas muito "estranhas". Quando tentou fazer humor, criou o "Cãozinho sem pernas", que, nos dias de hoje, ainda é lembrado com saudade pelos seus fãs. 

Iniciou sua produção em histórias em quadrinhos por meio dos fanzines, edições alternativas com pequenas tiragens publicadas com recursos de xerox ou pequenas impressoras, distribuídas pelo próprio autor. Seus dois títulos, Over-12 (1988) e Solúvel (1989) tiveram 500 exemplares impressos pela extinta Editora Pro-C, de Francisco Marcatti, importante nome nos quadrinhos underground na década de 80, e hoje são raridades muito bem conservadas nas mãos de seus fiéis leitores. 



Publicou ainda histórias de uma página na revista Animal, publicação mensal sob a editoração de Rogério de Campos, Fabio Zimbres, Priscila Farias e Newton Foot, e em outros títulos da Editora Vidente, de Gilberto Firmino. Com Marcatti e Glauco Mattoso editou a revista Tralha, também publicada pela Vidente. 

Recebeu vários prêmios e é aclamado por sua participação no cinema e no teatro. Criou a arte do filme Nina, dirigido por Heitor Dhalia, e escreveu o romance O Cheiro do Ralo, adaptado para o cinema, dirigido por Heitor Dhalia e estrelado por Selton Mello. Recentemente, seu romance O Natimorto foi adaptado para o teatro pelo dramaturgo Mário Bortolotto.

 Escreveu vários livros, a maioria publicados pela Devir Editora.

 Romances

     * A Arte de Produzir Efeito Sem Causa

    * O Cheiro do Ralo

    * O Natimorto

    * Jesus Kid

 Quadrinhos

     * A Caixa de Areia

    * Transubstanciação

    * Sequelas

    * A Confluência da Forquilha

    * Mundo Pet

    * O Dobro de Cinco

    * O Rei do Ponto

    * A Soma de Tudo 1

    *   A Soma de Tudo 2

Pude ler seu trabalho em “Transubstanciação” e fiquei abismado pelo seu estilo único e visceral. Mutarelli é como um “David Lynch” dos quadrinhos. Ele vai direto ao ponto tênue entre sanidade e loucura e o golpeia criando rachaduras perturbadoras.

Sua arte e roteiro vem para cutucar as feridas subsconscientes, pertubar o que está oculto, oferecer um reflexo com imagens indefenidas, porém reais. Não é uma leitura fácil. E por isso mesmo imprescendível para os fãs de HQs que sejam também arte e transgressão.

 Fonte de pesquisa: Wikipédia.

quarta-feira

Artista cria versões medievais dos X-Men



O artista Nate Hallinan reimagina os X-Men na Idade Média em desenhos feitos entre seus trabalhos profissionais. Veja abaixo os mutantes rebatizados como “A Ordem de X”.

 
Tempestade mais parecendo mais bruxa do que mutante em sua versão medieval



 
Fera ficou ao mesmo tempo com com ares de mago, druida e urso



Colossus vira um ferreiro gigante na versão do artista


 
Ciclope usa um par de óculos diferente em sua versão da Idade Média


 
Jean Grey vestida como arqueira, com o detalhe da fênix no peito


 
Noturno como um ladrão sorrateiro



Wolverine virou um anão, no desenho ainda no estágio conceitual


 
O professor Charles Xavier se torna um lorde e sua cadeira de rodas um trono..

Fonte: UOL Entretenimento

sexta-feira

Estranhos no Paraíso – Terry Moore

Conheci este trabalho na mesma época de “Bone”, de Jeff Smith. Chamaram-me atenção por serem trabalhos em “preto e branco” na época das multi-coloridas-por-computador-brilhantes-impactantes-acachapantes-capas-e-páginas-da-Image. Que precisamente era muito “Image” e nenhum conteúdo. Estranhos no Paraíso de Terry Moore era de uma linhagem diferente.

O fulcro da trama é a complexa relação entre três personagens, Katchoo, Francine e David. Katchoo é selvagem, desbocada, mal humorada, violenta (muito violenta), artista e culta. Completamente apaixonada por Francine uma garota insegura, mal amada e gordinha e de continuadas paixões que acabam em coração partido (o dela). Completando a “família” temos David, um rapaz gentil até demais, companheiro até demais e apaixonado até demais por Katchoo, com todas estas qualidades ele se torna o último homem da Terra que ela gostaria de namorar.

Foram 90 edições nos EUA que duraram cerca de 14 anos. Mas a série não se resume a um tipo de “soap opera” em HQs sobre relacionamentos, com o desenrolar da trama, o passado de Katchoo vai sendo desvendado. O relacionamento com Francine se torna ainda mais intenso. David, demonstra ter mais camadas em sua personalidade e contamos ainda com conspirações governamentais, sociedades secretas, assassinatos, brigas com ex-namorados, brigas com a balança e por aí vai. E em meio a tudo isto em constante mutação fica a relação dos três personagens. Com diversas reviravoltas ao longo das 90 edições, ficamos na expectativa do desenvolvimento dos personagens, nos identificamos, vivemos suas agruras e aventuras diferentes e ao mesmo tempo tão próxima da realidade dos jovens adultos e seus conflitos emocionais.

Com um traço particular, uma temática adulta, a preferência pelo preto e branco e ótimo roteiro, “Estranhos no Paraíso” era um alívio mental em tempos negros de Spawn, Wild. C.A.T.S, Youngblood, Cyberforce e os piores roteiros que Marvel e DC conseguiram produzir em muito tempo. Uma verdadeira Idade das Trevas iniciada em 1994.

A série conquistou o prêmio Eisner e uma premiação de Best Comic Book pela GLAAD Media Awards (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) que homenageou a inserção e bom senso na trama ao tratar do tema através da personagem Katchoo.

Estranhos no Paraíso é um dos grandes trabalhos das Histórias em Quadrinhos, vale a leitura.

quinta-feira

Surpreendentes X-Men (Astonishing X-Men)

Certo. Certo. Agora vou falar um pouco da obra que me trouxe novamente entusiasmo como os quadrinhos da “linha de montagem”: Astonishing X-Men!

Como fã de X-MEN, eu adoro o conceito, os personagens desde a primeira formação. Mas, como boa parte certamente fui capturado pela segunda, onde estão as criações de Claremont, aliás criar bons personagens é com ele, eu tiro o chapéu, agora, saber desenvolvê-los em boas tramas é outra conversa.

No entanto, uma conjunção feliz de astros o colocou em parceria com John Byrne! Sou suspeito para falar de um dos meus maiores ídolos dos quadrinhos. Desenha com estilo próprio, detalhado e agradável e ainda por cima escreve muito bem! Para mim, na época era um Jim Lee vitaminado! Eu adoro Jim, mas ele não escreve nada que preste.

Assim, temos todas aquelas histórias empolgantes, bem desenhadas e escritas da dupla Claremont/Byrne que figuram com certeza no imaginário de todos e entraram para a história das HQs. Todas elas tinham qualidade, se entrelaçavam, criavam ganchos, clímax, grandes desfechos, belas cenas, grandes batalhas. Ficávamos em dúvida, compartilhávamos informações com o autor enquanto os personagens ficavam no escuro, torcíamos intensamente! Este tipo de empolgação eu acreditei que não veria mais em X-Men!

As fases seguintes vinham a corroborar com esta impressão. Tudo bem que a fase Ninhada/Paul Smith foi bacana, mas só.

Empolguei-me com a arte de Jim Lee (Quem não se empolgou?). Mas, não havia história certo? Eu queria tudo! Serviço completo! A fase Scott Lobdell, nem vale a pena comentar... (Não, eu não gosto de “Era do Apocalipse”). Enfim, vivemos a nossa “Idade das Trevas” das HQs. Nada de bom no horizonte...

No entanto, comecei a ver a luz com “Os Supremos” de Mark Millar. E antes disso, soube que Grant Morrison estava em X-Men. Eu adoro Grant e ainda não li o que ele fez em X-Men. A LJ era sensacional e li quase tudo. Mas, devo dizer não era bem o que queria. Morrison não teria aquele “apelo aventura”. Ele é um inglês maluco, eu adoro, mas não era bem o que queria. Eu queria o entusiasmo da fase Claremont/Byrne! O que era difícil visto que era um momento que havia passado e nem mesmo os autores conseguiam mais fazer aquilo, pelo menos é o que ficou claro para mim, no trabalho que fizeram com a LJ.

E foi neste instante, que um grande amigo-irmão me deu a encadernada com as primeiras doze edições de Astonishing X-MEN (Surpreendentes X-Men), eu já havia visto alguma coisa, mas não dei importância. O fato de ser o criador da Buffy, caça-vampiros, definitivamente não era o melhor cartão de visita. Mas, meu amigo insistiu e confio no bom senso crítico. Então dei uma chance...

Surpreendente, de fato! Eu não estava esperando nada. Mas, de cara, a arte de Cassaday de quem já era fã graças ao trabalho em “Planetary” (com Warren Ellis), agradou em cheio e a história com aquele ínicio referencial e reverencial ao passado com Kitty e surpreendente (na mosca!) com a seqüência dos Sentinelas me deixou interessado imediatamente. Daí até o fim da primeira história eu estava totalmente fisgado. Ao final do primeiro arco, eu não podia acreditar no que estava lendo e sentindo: Empolgação novamente! Estava tudo lá como nos melhores tempos de Claremont/Byrne! Tramas de qualidade diferentes, que se entrelaçavam e sem esquecer o passado estavam inovando com novos e interessantes personagens, ganchos de roteiro, finais repletos de suspense, clímax, grandes desfechos, conversas desenvolvendo os personagens entre arcos, belas cenas, grandes batalhas! Tudo de volta, tudo outra vez! Fariam isto novamente no segundo arco?

Sim, conseguiram. Todo um grande suspense até o X-Men descobrirem o que estavam enfrentando e que surpresa!

O terceiro arco, simplesmente mirabolante e intenso, eu rangia os dentes sem entender até o final, um final que só faz aumentar o suspense, diga-se.

E enfim, o quarto arco, aonde alcança o clímax de todos os outros. Tudo desde o início levando até aquele momento, como é bom uma seqüência lógica que se move em cadeia do básico ao complexo, como é bom testemunhar todo este encadeamento de situações. E para mim, fã de carteirinha de Ciclope (e provavelmente, um dos poucos), foi ainda melhor já que todos os arcos o levaram de novo ao posto que lhe é direito: O primeiro, maior e melhor líder dos X-Men!

Recomendo a todos esta leitura! Ser fã de carteirinha não é requisito essencial para curtir esta obra, já que a trama é genialmente escrita para fãs e novatos, sem prejuízo para ninguém!

No melhor que os quadrinhos e os X-Men podem oferecer fiquem a vontade para se surpreender!

terça-feira

Contos de Asgard - A Bandeira do Corvo.


 
 
Esta graphic novel traz um conto de Asgard. Os personagens mais conhecidos da mitologia nórdica nas HQs como Thor, Os Três Guerreiros, Sif, Heimdall, Karnilla, Encantor ou mesmo Loki são meros coadjuvantes na saga de Greyval Grimson e a bandeira do corvo.

A maior honra para um guerreiro em batalha é carregar a Bandeira do Corvo, símbolo da vitória. E quando a morte atinge o portador da bandeira, esta deve ser entregue aos seus descendentes. A trama começa com a morte do portador, mas seu filho Greyval foi iludido pelos trolls e perde a bandeira.

Para recuperar este legado terá que ser feita uma jornada enfrentando ogros, gigantes, trolls e feitiçarias. A príncipio, ele conta com o apoio de Balder, mas logo este o abandona para auxiliar nos combates e invasões que afligem o reino dourado, o que torna mais necessária a recuperação do precioso artefato.

Além dos perigos habituais, Greyval Grimson enfrentará a competição de um parente invejoso de seu posto de herdeiro e do amor que uma Valquíria tem por ele.


Esta graphic novel foi criada por Alan Zelenetz (roteiro) e Charles Vess Vess. Charles possui um traço estilizado e propenso a ilustração de fábulas. Rico em detalhes e ao mesmo tempo de uma linguagem simples de compreensão, o desenho de Vess é uma referência para muitos ilustradores. Outros trabalhos de destaque foram edições de Sandman, de Neil Gaiman; a premiada edição 19 "Sonhos de uma Noite de Verão", a terceira parte da minissérie "Os Livros da Magia", e também o livro "Stardust" ambos também de Neil Gaiman.

Li esta graphic depois de Sandman, e novamente me impressionei com a arte de Vess, que era diferente de tudo o que conhecia até então. Não deixem de ler..

segunda-feira

Batman: A piada mortal


 

 Qual é a linha que separa a sanidade e a insanidade? Quão tênue ela é? Será que umas seqüências de eventos ruins acontecendo sistematicamente podem demolir nossa estrutura emocional e derrubar a casa? Será tão grande assim a distância que nos separa dos maiores insanos da humanidade?

É precisamente sobre este tema que a aclamada Batman: a piada mortal, escrita por Alan Moore e ilustrada por Brian Bolland (que criou talvez a mais icônica imagem do Coringa), com cores de John Higgins, trabalha. Vislumbrando a questão da loucura sob a ótica de um dos personagens mais insanos das histórias em quadrinhos: O Coringa.

O insano palhaço do crime que foi magistralmente escrito e dirigido por Nolan e brilhantemente interpretado por Ledger (Estou preparando um post sobre este filme) assombrou multidões pela sua crueldade insana e gerou questionamento dos que não lêem HQs se ele era mesmo daquela maneira retratada no filme. Sim, quando bem escrito ele é. Na verdade, como qualquer personagem de longa data, ele muda conforme as tendências, mas se buscarmos a essência do personagem sendo realistas, eu diria que o filme se aproxima do que ele realmente deve ser. E uma das HQs que deu os parâmetros para o personagem foi “A Piada Mortal”.


Como vimos antes, a obra de Moore parte da idéia de que para o Coringa um dia ruim é tudo o que é necessário para transformar a vida de uma pessoa. Não só isso, mas basta um dia desses para que uma pessoa completamente sã perca toda a sua sanidade e adentre os caminhos sem volta da loucura. Basta uma tragédia para que uma pessoa prefira o conforto da loucura ao tormento das lembranças daquele dia. Afinal, supostamente foi justamente um dia ruim que criou o insano assassino dos cabelos verdes.

Pouco ou nada se sabia sobre o passado do personagem o que tornou a obra de Alan Moore um referencial por criar uma origem, e conseqüentemente, uma dimensionalidade maior ao personagem. A partir daquele momento, o Coringa deixa de ser simplesmente o vilão maniqueísta para se tornar alguém comum levado a loucura por circunstâncias cruéis e dramáticas.

A piada mortal começa com uma visita de Batman ao Asilo Arkham, o sanatório para criminosos insanos de Gotham. O vigilante vai ao Asilo para visitar o Coringa, tentar conversar com o Palhaço do Crime e colocar um ponto final na longa história de ódio que existe entre esses dois homens. Para a surpresa do Homem Morcego, no entanto, o Coringa fugiu do Arkham e colocou outra pessoa em seu lugar. Quando descobre o ocorrido, Batman sai atrás do vilão.

Enquanto isso, no entanto, o Coringa já está colocando seu plano à prova. Ele quer mostrar ao Batman que até mesmo a mais sã das pessoas pode enlouquecer. Assim, decide fazer uma visita ao comissário Gordon. Quando a filha adotiva do comissário, Bárbara (ex-Batgirl, atual Oráculo) atende a porta, recebe um tiro que parte sua coluna. 


Enquanto os comparsas do Coringa espancam o policial, o Palhaço do Crime despe Bárbara e tira diversas fotos dela naquela situação, com a coluna partida e, provavelmente, sofrendo algum outro tipo de abuso por parte do criminoso(Este é quase um consenso entre os que leram embora seja apenas uma especulação).

 
Então, o Coringa leva Jim para um parque de diversões, onde tortura o comissário psicologicamente, mostrando-o as fotos de Bárbara. Seu objetivo é enlouquecê-lo, provando a todos, especialmente ao Batman, que não é preciso muito - apenas uma grande tragédia pessoal - para que uma pessoa perca sua sanidade. E que é apenas isso que separa o vilão de todas as pessoas. 


Enquanto providencia o pior para Jim Gordon, o palhaço assassino relembra o dia em que se transformou. A questão é o que acontecera com Gordon?

A piada mortal é uma é uma obra que faz cair paradigams dentro dos quadrinhos. Desaparece a antiga relação herói-vilão em que o herói é a representação do Bem e, o vilão, a do Mal. Um processo que se iniciou com a revolução de Stan Lee, Jack Kirby e companhia que na década de 60, manteve o maniqueísmo e a relação Bem x Mal mas retirou a “perfeição” dos heróis passando a ter problemas e conflitos internos comuns à qualquer pessoa. O vilão passa a ser o lado negro do herói, aquilo que pode acontecer se ele perde a batalha em sua guerra interna.


Afinal, qual a distância entre Batman e Coringa? Ele também teve um dia ruim e virou um morcego! O Coringa acredita que Batman é tão insano quanto ele, mas quer que o próprio cavaleiro das trevas aceite esta verdade aterradora! Esta questão também aconteceu em Asilo Arkham de Grant Morrison.
Vale dizer que além  do texto a qualidade da obra deve muito a mestre Gibbons que domina perfeitamente a arte da HQ em todos os seus caminhos com talento e estilo. As cores de John Higgins criam atmosferas e ressaltam as transições de “flashback” em toda a história e outras seqüências fazendo pulsar as violentas e fluir as mais calmas.

Em 1989, A piada mortal foi agraciada com os mais importantes prêmios da Indústria de Quadrinhos, o Will Eisner Awards (melhor escritor, desenhista e álbum gráfico) e o Harvey Award (melhor história, álbum gráfico, desenhista e colorista).

Agora, vejam só,  não é interessante parar para pensar que toda a comovente história relembrada pelo coringa em “Piada Mortal” pode não passar de uma alucinação da cabeça dele?

Insano? Justamente...

Uma obra imperdível e referencial. Não deixem de ler..

quarta-feira

"V" de Vingança

 

"V" de vingança. Um das HQs que mais me marcaram como leitor. A experiência de ler isto aos 16 anos...não é fácil de explicar. Um texto extremamente elaborado de mestre Allan Moore com os desenhos precisos e estilizados de David Lloyd me levaram a um patamar novo de leitura. Uma obra na qual eu pensava e repensava. “V” era algo totalmente inesperado. Um anarquista. Eu mal compreendia o que isto significava antes de ler a história. A questão da liberdade, a questão do acesso a cultura, a questão da justiça e sua possível corrupção (Quando lemos o “diálogo” entre “V” e a estátua de Justiça, paramos para pensar muitas vezes).


A obra foi publicada originalmente entre 1982 e 1983 em preto e branco pela editora britânica Warrior, mas não foi concluído. Em 1988, a  DC Comics incentivou Allan Moore e David Lloyd a retomarem a série e a finalizarem com uma edição colorida. A série completa foi republicada nos EUA pelo selo Vertigo da DC e no Reino Unido pela Titan Books. No Brasil, foi publicada em 1989 em cinco edições em cores pela editora Globo e mais tarde pela Via Lettera, em dois volumes em preto e branco; em 2006 teve uma edição especial pela Panini, em volume único, colorido e com material extra.


 “V” é quase mais um manifesto sobre a liberdade sobre o sistema do que uma HQ. Os elementos de HQ estão todos lá, mas é possível explorar mais camadas e destilar críticas sociais que não só avaliam o sistema que nos rege, como também a cada indivíduo dentro do seu “governo” particular. Personagens corrompidos e que se corrompem. Quando a realidade estável cai diante de um cataclisma (no caso nuclear), para aonde seguiria os escombros da sociedade? Para um sistema colaborativo ou totalitário. O caos nos levaria a uma nova visão de relações ou de dominação. Haveria sabedoria após a quase destruição, ou a força seria utilizada para dominar uma maioria em favor de uma minoria?


Uma vez, me disseram que o ser humano é principalmente calcado na “lei da sobrevivência, a lei do mais forte”. Justamente, um dos personagens tenta convencer um conhecido a dominar e controlar as pessoas alegando que “você é como eu, um SOBREVIVENTE!”. É de se perguntar: Como nos portaríamos diante da queda do sistema atual? Como você se portaria? Sobreviveria a todo o custo? Trapacearia, roubaria e seria capaz de matar para sobreviver? È o que acontece com vários personagens principais da trama. Quando cai o sistema, eles se adaptam ao novo e totalitário sistema sem escrúpulos. Concordam com genocídio, e controle de atos e pensamentos! Mesmo a população diante do caos se entrega ao novo sistema. Entregando vizinhos e amigos pessoais as autoridades, porque estes não se encaixam. Uma vez li sobre uma mãe e filha escondidas numa casa quando soldados nazistas invadiram para levá-las para a morte. A filha foi encontrada e levada. A mãe permaneceu em silêncio...


Precisamente, até que ponto os tiranos e seus assessores são os únicos culpados? Num dos pontos mais importantes desta obra questiona-se que o sistema é culpado, mas que cada um de nós que aceitamos e colocamos tais sistemas no poder e em funcionamento somos tão culpados quanto! É um dos momentos mais brilhantes da obra, quando “V” toma a rede estatal de TV e faz um julgamento sobre a própria espécie humana. Fantástico. Além de oferecer uma reflexão constante, a obra é rica em referências culturais na música, teatro, literatura. Algumas eu só pude compreender anos depois, conforme fui adentrando pelos caminhos da cultura. Devo dizer que esta obra nos encoraja nas devidas proporções a empreender esta batalha pela disseminação cultural e comigo não foi diferente. Sua influência foi grande.


Falando propriamente sobre a história ela acontece em um passado alternativo e futurista. Em tal realidade, um partido de Totalitário de extrema direita assume o poder na Inglaterra após uma guerra nuclear. Moore lança mão de similaridades entre o seu partido da “Chama Nórdica” e os regimes fascistas e nazistas ocorridos na Alemanha e Itália. Um tapa na cara oferecido pelo autor que via na sociedade britânica, nos tempos da “dama de ferro” Margaret Tatcher, uma tendência a intolerância. Tais alusões são notáveis devido ao fato do governo ter o controle sobre a mídia, a existência de uma polícia secreta, campos de concentração para minorias raciais e sexuais. Também inspira-se em Hannah Arendt no seu livro "Origens do totalitarismo" de 1951. Observamos ainda um sistema de monitoramento feito por câmeras nos moldes de "1984", de George Orwell, escrito em 1948. A história começa após o fim do conflito político e com os campos de concentração desativados. A população ainda que dominada e infeliz aceita a situação, até que surge "V" — um Anarquista que veste uma máscara estilizada de Guy Fawkes e é possuidor de uma vasta gama de habilidades e recursos. Ele então inicia uma elaborada e teatral campanha para derrubar o Estado. No processo, conhece Evey, garota que perdeu os pais durante a guerra. 


Contrapondo-se a atitude da massa, “V” não é complacente. Planeja e executa um plano tão preciso de queda do estado que se assimila a arrumação de peças de dominó: precisão e paciência na elaboração, mas que depois da queda da primeira peça, nada mais pode impedir o movimento. Não à toa, Moore e Lloyd se utilizam desta imagem. Esta precisão foi sintetizada nas palavras de Evey: “Quão sábia foi sua ‘Vendetta’. Quase uma cirurgia. Você não apenas cortou sua carne, você esquartejou suas ideologias!”


“V” prepara o caminho destruindo o sistema. Foi tão violento, porém mais preciso do que ele, por isso foi uma vingança. Uma ironia, já que V foi uma vítima deste sistema. Um experimento que não deu certo. Um Frankenstein que se voltou contra seu criador (provavelmente, mais uma referência implícita). Mas, depois abre o caminho para um mundo melhor...de reconstrução.

“V” é uma obra magnífica. Reflexiva. Não deixem de ler..


Curiosidades:

  • O enredo mostra a ascensão, o auge e a queda de um regime totalitário futurista firmado na Inglaterra.
  • Nas histórias em quadrinhos, o nome do ditador deste regime é "Adam James Susan".
  • No enredo, a bandeira do partido que sustentava o regime totalitário possuía um símbolo com formas geométricas e ângulos retos, tal qual a suástica nazista. Além disto, a bandeira era de cores preta e vermelha, uma inversão das cores utilizadas pelo Partido Nacional Socialista Alemão (Partido Nazista);
  • Existe no enredo uma polícia secreta, chamada em português de Dedos (inglês: fingers). No regime nazista havia também uma polícia secreta, a Gestapo;
  • Há uma forte crítica ao clero no enredo, mostrando escândalos de pedofilia, assassinatos, e busca pelo poder. Além do mais, no enredo, há um acobertamento por parte do clero (provavelmente anglicano) às experiências feitas em seres humanos.