A Lei responde com a voz com que
a chamamos e é tão rica que sabe responder a todas as vozes, de acordo com o
mérito de cada qual. Então, é possível ao justo apelar, não mais para a força
ou a astúcia, sistemas de luta por ele superados, mas para a divina justiça e
desta receber uma resposta direta, isolada no seio de um mar de respostas
diferentes; é possível receber um tratamento de bondade e de salvação, no seio
de um cataclismo universal. E assim, o evoluído pode marchar com um destino
todo seu, independente do de seus semelhantes, do da própria humanidade.
Enquanto os outros, pelos seus métodos de luta, se destroem, alternativamente
arrastados pelo turbilhão de força, presos pelo ódio recíproco à sua
destruição, o evoluído, inocente das culpas do mundo, poderá seguir seu
destino, totalmente seu, de alegria e de paz. As forças do imponderável terão
formado em torno dele um invólucro protetor, uma defesa salvadora, que o torna
invulnerável, porque inocente, em meio aos mais graves perigos que arrastam os
outros. Deixemos aos juristas o estudo dos caminhos da justiça humana, que tem
simplesmente escopos defensivos de uma classe dominante ou de toda a
coletividade social. Ocupamo-nos, aqui, da justiça divina, que não é, como a
humana, um produto da luta pela vida, mas, sim, um produto do universal
princípio de ordem e equilíbrio que tudo governa.
No que livremente quisemos no passado é que
se encontra a origem do destino, que depois nos prende à alegria ou à dor.
Está, assim, no que merecemos, a razão das adversidades que nos ferem. O homem,
em lugar de reconhecer que errou, prefere lançar a culpa sobre os outros. Nosso
intelecto, porém, tem necessidade de descobrir no princípio causal do universo
as características de uma absoluta justiça e somente assim a encontra. Sentimos
por instinto, e a voz da nossa consciência nos diz que é justo sofrermos as
conseqüências somente do que pessoalmente merecemos por nossas próprias ações.
Sentimos que se isso não fosse verdadeiro em um caso apenas, toda a ordem e o
equilíbrio do universo seriam abalados. Temos, instintivamente, necessidade de
crer nessa justiça substancial que está além da justiça formal e exterior da
sociedade humana. É à essa mais profunda justiça interior que nosso espírito
recorre, apelando para o supremo tribunal de Deus. Andamos buscando essa
justiça nos acontecimentos humanos e ficamos desiludidos e insatisfeitos por
não a acharmos. E a renunciamos, constrangidos. E, no entanto, ela existe, e
existe sempre. De outro modo, desabaria o universo. A perfeição de Deus não
tolera em si qualquer injustiça.
É regra geral que, quando um problema nos
parece insolúvel, isso se deve ao fato de havermos partido de premissas
erradas; devemos substituí-las. Todos os problemas têm que ser solúveis. Quando
num caso qualquer nos parece triunfar a injustiça, isso não pode provir senão
de defeitos de observação. Costumamos observar apenas os poucos dias desta
breve vida humana, mas, a justiça, dada a eternidade do espírito, não se pode
realizar toda senão nessa eternidade. Diz-se que Deus não paga o sábado. Porque
a justiça divina não tem pressa de pagar, desejaríamos admiti-la inexistente.
Realmente, o nosso destino é um campo de forças em que se encontram traçadas
todas as trajetórias das ações por nós iniciadas, e cada uma delas tem que
atingir, até a meta, seu esgotamento. Toda a lógica inexorável do funcionamento
orgânico do universo nos grita isso e não existe força ou ignorância que possa
fazer calar esse grito. Estes problemas não se resolvem com a mesquinha
preocupação apriorística de não se vestirem eles de uma ou outra teoria,
própria desta ou daquela escola. A verdade não pode ter preconceitos. Se
tememos encontrar o obstáculo do reincarnacionismo, iremos de encontro ao da
injustiça de Deus, ou, então, concluiremos com a imperscrutabilidade do
mistério, isto é, declararemos insolúvel o problema; e isso prova que nos
enganamos em suas premissas. Se não quisermos, pois, concluir com a injustiça
ou o mistério, isto é, falir nas conclusões, perdendo-nos no caos, deveremos
mudar as premissas. Só assim resolveremos o problema do destino humano, da
liberdade e do determinismo que nele se encerram, da responsabilidade e da
justiça segundo o mérito. Só assim resolveremos tudo em harmonia com tudo; de
outro modo, nada explicaremos. O exame do problema do destino levou-nos a
observar um mundo de forças que escapam aos nossos habituais meios de
observação, mundo das causas, mundo de que depende tudo o que sucede
posteriormente no plano sensível dos efeitos. Procuremos agora compreender como
funciona esse imponderável, que se assemelha a bastidores dos acontecimentos de
nossa vida, de que tudo se deriva. Podemos, assim, ainda mais aprofundar os
conceitos precedentes.
O mundo moderno, apressado e céptico, não imagina
a presença do imponderável em meio das coisas mais comuns da vida quotidiana. Quando
nos preparamos para a realização de qualquer objetivo, existe, de um lado, uma
nossa necessidade ou desejo, e de outro, um plano instintivo ou racional, que tende
a atingir a satisfação. Que é que abrange esse plano diante do oceano de
incógnitas que nos circunda? E essas incógnitas são forças presentes, reais e
ativas, tanto que podem desviar, a cada momento, o desenvolvimento de nossos
planos, interferir na série coordenada de nossos atos, neles introduzindo
impulsos novos que, provenientes do desconhecido, são para nós imprevisíveis.
Para poder compreender e definir o imponderável é preciso penetrar esse
desconhecido. Esses desvios, que não conseguimos prever, porque seus elementos
nos escapam e são mais fortes que nós, nos assediam a cada passo nos pequenos
eventos individuais de cada dia como nos grandes acontecimentos da história,
dando à nossa vida um contínuo tom de incerteza.
De fato, nunca estamos verdadeiramente
seguros, ao pormos em execução qualquer projeto, se acabaremos chegando aonde
queremos, ou se, pelo contrário, atingiremos um ponto completamente diverso do
que fixamos. Isso vimos na última guerra. O mesmo acontece em nossos problemas
particulares. Freqüentemente, uma coisa desejada com sagacidade e constância,
não consegue êxito, embora sabiamente preparada, ao passo que outras coisas que
parecem, a princípio, apresentar-se com mínima probabilidade de êxito, às
vezes, imprevistamente, o conseguem de modo completo. Que três quartos dos
elementos do sucesso nos escapam, é um fato que todos sabem. Agitamo-nos,
assim, às cegas, conservando em nosso poder apenas uma pequena parte dos
elementos do triunfo e com tão poucas cartas na mão tentamos a vitória.
Tentamos. Os demais, que representam essa incerteza, se lançam à ventura e
agarram por acaso, desordenadamente, o que podem e o mais que podem. É
evidente, contudo, que a solução do problema do sucesso não se encontra no uso
louco e desordenado, embora prepotente e resoluto, daquela pequena parte de
elementos em nosso poder e, sim, no conhecimento e, portanto, na inteligente
direção dos elementos contidos nos outros três quartos que nos escapam.
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