Qualquer que seja sua natureza,
do bem ou do mal, tenderão sempre a percorrer o seu caminho até o fim e não
descansarão enquanto não consumirem todo o impulso recebido. O bem e o mal, na
realidade, existem personificados nessas forças. As do mal nos perseguirão como
“Erínies” enfurecidas, gritando a todos nossas culpas e clamando por vingança,
lançando-se contra nós, mordendo e despedaçando-nos. A tragédia humana está
cheia delas. Como nos defendermos de um inimigo que está dentro de nós?
Impossível nos escondermos. Impossível fazê-lo calar: não há barreiras de força
ou de astúcia que o consigam. Eis então o armadíssimo involuido - desarmado, o
lutador não mais sabe lutar; o forte está intimamente derrubado e arruinado.
Eis que o homem involuido, pelos caminhos sutis do imponderável, tornou-se
realmente um vencido. Desanimado diante do inacançável inimigo, que não
consegue compreender, sofre e se humilha, para compreender. Aquelas forças são
inexoráveis, são o destino, representam a lei de Deus, a inviolável justiça que
tentamos violar e que, fatalmente, reconduz agora cada coisa a seu lugar. Os
recursos humanos esmigalham-se contra essas potências silenciosas do destino.
Elas abatem qualquer defesa, transpõem todas as portas, do rico ou do pobre, do
poderoso ou do humilde. Uma única coisa as detém, inofensiva como a palavra de
uma criança, leve como a asa de um anjo, imponderável e suave como uma oração:
a inocência. Sermos inocentes! Essa pequena coisa se encaminha na direção da
impetuosa potência da força e a faz parar, porque isto quer a Lei: que o
honesto seja defendido e a justiça triunfe.
Se, ao invés do mal, implantamos o bem em
nosso passado, as criações que geramos serão de natureza completamente diversa.
Também com o tempo crescerão, tornar-se-ão maduras, atingindo o seu efeito no
mundo externo da manifestação das causas. Em lugar, porém, de assediar- nos a
vida como inimigos, lançando sobre nós o sofrimento, estarão ao nosso lado,
acariciando-nos, encorajando-nos como nossos amigos mais queridos. O involuido
não sabe que o presente não se improvisa, não se forma apenas do próprio
presente, e, sim, em grande parte do passado; também não sabe que a vida, no
seio de um organismo complexo e perfeito qual é o universo, não é uma louca
aventura, e, sim, um crescimento lógico e orgânico. Coisa alguma se improvisa
do nada, mas, tudo volta e torna a voltar nas ondas do tempo, tudo se liga aos
grandes ritmos da Lei, em conexão com suas causas, de que não pode separar-se,
avançando por graus e por fases: germinação, crescimento, manifestação,
esgotamento. No universo tudo está unido pela lei de causalidade, que tudo
encadeia no desenvolvimento do tempo. Coisa alguma nasce senão por filiação,
isto é, através duma derivação causal; e por isso, tudo revive sempre
indestrutível nas suas conseqüências, em que necessariamente se continua. Como
no filho se desenvolve o pai, como a árvore é o desenvolvimento da semente e a
ação nasce da motivação, assim também, por uma concatenação inseparável, toda
causa se prolonga no seu efeito.
Todo
fenômeno, no seu movimento evolutivo através do tempo, oscila entre estes dois
extremos, constituindo um dualismo que não se isola numa forma fechada:
princípio - fim, mas que se engancha continuamente no seu extremo final como um
novo extremo inicial e se alonga, assim, ao infinito. Se, portanto, pela lei da
causalidade, tudo é filho do passado, a vida se torna, então, um jogo vasto e
complexo, por longas preparações, e a vitória é determinada por dinamismos
acumulados que emergem de um armazém interior, que pode estar cheio ou
desprovido, rico de provisões benéficas ou maléficas, úteis ou venenosas - o
misterioso armazém da alma que o homem involuido não enxerga. As posições
terrenas são aparentes e iludem. Por isso, o pigmeu pode ser substancialmente
um gigante e o gigante, um pigmeu. Daí a invisível força de tantos inermes, a
desconhecida grandeza de tantos humildes. A posição humana exterior é fictícia.
A casa interior pode ser habitada por amigos ou inimigos, pelo bem ou pelo mal,
por anjos ou demônios. Eis o armamento moral do homem evoluído: as boas obras,
o haver cumprido o próprio dever, isentando-se de sanções, ser inocente de
culpas. O nosso passado já está feito e lançou a trajetória de nossa vida.
Assim como uma longa evolução orgânica construiu o nosso atual tipo biológico
que, qual é, resiste a qualquer rápida deformação ou mudança, também através de
um longo caminho se formou e definiu nossa constituição moral, viveiro de
instintos aninhados no subconsciente e radicados bem longe, no passado. A forma
é definida, mas não definitiva, porquanto o transformismo continua sempre e
nada pode considerar-se definitivamente fixado. Permanece sempre aberta a porta
para a expiação e a correção, pois a liberdade, embora enlaçada pelas conseqüências
do passado, permanece inviolável e inviolada, sempre senhora de introduzir no
destino novos impulsos e, com novos esforços, corrigir-lhe, como quiser, a
trajetória. Suprimido o peso do passado que nos prende, o futuro é sempre
livre.
Uma das principais características deste
mecanismo de forças é a possibilidade de isolar o próprio destino de um destino
alheio. Ao lado de cada um falam e entram em ação as suas obras e não as do
próximo. Cada um pode semear em seu campo o que desejar e ninguém pode fazê-lo
em seu nome. A semeadura é livre, porém, a colheita é obrigatória. Somos
livres, mas, responsáveis. Absoluta é a independência no semear o bem ou o mal;
também absoluta é a obrigatoriedade de recolher o fruto de toda a semeadura.
Eis porque o sábio procura nas causas profundas e longínquas as raízes de seu
estado presente e com uma previdência que enxerga ao longe prepara seu futuro.
Não importa se os outros ignoram estas leis. Quem erra paga pelo erro, e
pagando aprende. A maravilhosa justiça da divina lei está, porém, nisto: cada
um permanece livre e, em qualquer ambiente em que viva, pode, como quiser,
perder-se ou salvar- se. A beleza está no fato dessa liberdade permanecer
sempre garantida e o indivíduo ser independente, senhor absoluto, sempre, do
próprio destino, senhor de construí-lo a seu modo, em qualquer tempo e lugar.
Assim, num mundo em que o involuído, que não sabe, com seus sistemas impera e
triunfa, ninguém pode impedir ao evoluído, que sabe, de escolher e seguir o seu
caminho, nele recolhendo frutos abundantes. Conforme a ação que se antepõe, a
Lei dá a cada um sua resposta, sabendo contemporaneamente funcionar,
comportando-se diferentemente em planos e formas diversas. Desse modo, a
fundamental liberdade de cada indivíduo é a tal ponto respeitada, sem ofender o
princípio de responsabilidade, que ele pode sempre separar seu destino de
qualquer destino alheio, pode conservar a mais completa autonomia de trajetória
no meio do mais complexo entrançamento de forças, pode atingir as metas que
quiser; pode perder-se, livremente, no meio da salvação de muitos, ou salvar-se
no seio da perdição universal. O resultado é garantido, tanto no bem como no
mal. O justo pode, assim, avançar em seu caminho, embora colocado num mundo de
demônios. É o próprio passado, as obras, o mérito, o que importa diante de
Deus.
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