Do Vale do Silício, o
maior polo de inovação tecnológica do planeta, todo mundo já ouviu falar. Foi
lá, na Califórnia, que nasceram empresas como Google, Facebook e Apple. Mas e o
Vale do Nióbio: alguém saberia dizer o que é ou onde fica? Bem, se depender do
presidente Jair Bolsonaro, será no município de Araxá, a 360 km de Belo
Horizonte (MG). Em vídeo publicado na última semana de junho, Bolsonaro aparece
mostrando as atribuições do metal para a fabricação de joias. A gravação foi
feita em Osaka, no Japão, onde ele participava do encontro do G20.
Na capital mineira
funciona a sede da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), a
maior produtora de nióbio do mundo. Em julho de 2016, quando ainda era deputado
federal, Bolsonaro visitou a sede da empresa e gravou um vídeo exaltando as
virtudes do minério. “Isso pode nos dar independência econômica!”, declarou.
Logo no começo do vídeo, ele explica que os 118 elementos químicos da tabela
periódica podem ser encontrados em nosso país. O nióbio está ali, na quinta
coluna, entre o zircônio e o molibdênio. De número atômico 41, é classificado
como “metal de transição”: em poucas palavras, o minério deixa o aço (ainda)
mais forte e resistente. Foi descoberto por Charles Hatchett (1765-1847) em
1801, quando o químico inglês analisava amostras de uma rocha do acervo do
Museu Britânico, em Londres. Por ter vindo da Colúmbia Britânica, uma das dez
províncias do Canadá, recebeu o nome de columbita. O metal ganhou seu nome
definitivo em 1844 e apenas em 1949 foi reconhecido oficialmente como um elemento
químico.
Voltando ao Brasil do
século 21, o metal pode nos transformar em superpotência, como acredita o novo
presidente? O engenheiro de materiais Hugo Sandim, da Escola de Engenharia de
Lorena (USP), acha difícil. “O nióbio não tem superpoderes. Sozinho, não vai
resolver as mazelas nacionais.”
Meu nome é nióbio!
1. LAÇOS DE FAMÍLIA
De acordo com a mitologia
grega, Níobe era filha de Tântalo e Dione e foi transformada em rocha por Zeus.
Até a primeira metade do século 19 os cientistas acreditavam que o nióbio e o
tântalo correspondiam ao mesmo elemento químico.
2. É DO BRASIL
Foi o geólogo mineiro
Djalma Guimarães (1894-1973) que descobriu a reserva de nióbio em Araxá (MG),
em 1953. Entre outras proezas, ganhou o título de “Príncipe dos Geólogos” da
cientista polonesa Marie Curie (1867-1934).
3. NA BOCA DO POVO
Candidato a presidente em
1989, 1994 e 1998, Enéas Carneiro (1938-2007) foi o primeiro a usar o nióbio
como trampolim eleitoral. Em 2005, chegou a dizer que, comparado ao roubo do
minério, o mensalão era “mesada de trombadinha”.
Quem
são os donos do negócio
Detentora de uma fortuna
estimada em R$ 77 bilhões, a família Moreira Salles controla desde a década de
1960 a empresa que é a maior produtora de nióbio em todo o planeta. Em dezembro
do ano passado, João e Walter, dois dos quatro irmãos Moreira Salles, avisaram
que não pretendem “comprar” o Botafogo, seu clube do coração, porque não têm
vocação para Roman Abramovich, o magnata russo que, em 2003, comprou o clube
inglês Chelsea. Bem, não compram porque não querem. Se quisessem, poderiam.
Fernando, Pedro, João e Walter são donos da CBMM e acionistas do Itaú, o maior
banco da América Latina. A fortuna da família é estimada em R$ 77 bilhões.
Tudo começou em 1965,
quando Walther Moreira Salles (1912-2001), banqueiro e ex-embaixador do Brasil
em Washington, tornou-se acionista majoritário das operações da CBMM em uma
mina de nióbio em Araxá. Hoje, a família detém 70% das ações da empresa.
Em 2011, os irmãos
venderam uma participação de 30% — sendo 15% a um consórcio japonês-sul-coreano
e 15% a um grupo de empresários chineses — por US$ 3,9 bilhões. Quanto vale a
companhia que produz 80% do nióbio do planeta? Algo em torno de US$ 13 bilhões.
Nióbio
não falta
As maiores reservas ativas
de nióbio, em torno de 98,4%, estão no Brasil. Comendo poeira, Canadá e
Austrália aparecem em segundo e terceiro lugares, respectivamente, com
modestíssimos 1,11% e 0,46%. “O nióbio não é raro”, diz Eduardo Ribeiro, CEO da
CBMM. “Há reservas na Rússia, nos EUA e em países do continente africano. Como
o mercado é limitado, ainda não entraram em operação.” Por aqui, a extração é
feita por duas empresas. Uma delas é a já citada CBMM, a maior produtora do
mundo. A outra é a CMOC Brasil, subsidiária da China Molybdenum (CMOC), que
fica em Catalão, a 256 km de Goiânia (GO).
Os estados de Minas Gerais
(cidades de Araxá e Tapira), Amazonas (São Gabriel da Cachoeira e Presidente
Figueiredo) e Goiás (Catalão e Ouvidor) são os donos das maiores reservas
nacionais. Estudos realizados por especialistas indicam que apenas em Araxá há
ao menos 842 milhões de toneladas disponíveis do metal. O que isso quer dizer?
É nióbio que não acaba mais! O suficiente para suprir a demanda mundial — que
foi de 106 mil toneladas em 2018 — pelos próximos dois séculos. Ou seja, até
2219. Para efeito de comparação, a CBMM produziu 90 mil toneladas de produtos
derivados do nióbio no ano passado.
Extraído de uma mina a céu
aberto, o minério puro é transformado em produtos acabados como ferronióbio,
óxido de nióbio e nióbio metálico. Na CBMM, a mineração é apenas a primeira das
15 etapas necessárias, que incluem o refino, a metalurgia e a embalagem. Todos
os dias, uma média de 250 toneladas de produtos de nióbio são despachadas para
mais de 60 países: nove em cada dez compradores são indústrias que fabricam
aço.
Cheio
de utilidades
Não é qualquer elemento
que pode ser usado tanto em uma ponte na França quanto em uma sonda espacial:
especialistas destacam a versatilidade das aplicações do nióbio
Você saberia dizer o que o
telescópio espacial Hubble, projetado para tirar fotografias do Sistema Solar,
tem a ver com o viaduto francês de Millau, que é suspenso por cabos e
considerado o mais alto do planeta, com 343 metros de altura? Ou então com o
Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o maior acelerador de
partículas do mundo? Além de toda a tecnologia envolvida, esses projetos
utilizaram nióbio em muitos de seus componentes. No caso do LHC, os cabos
supercondutores, feitos de liga de nióbio e titânio (NbTi), preservam suas
propriedades originais mesmo submetidos a altíssimas temperaturas. Já o peso do
viaduto francês foi reduzido em 60% graças à adição de 0,025% de nióbio ao aço.
E não para por aí. O metal
pode ser encontrado em itens que vão de equipamentos médicos a reatores
nucleares, de plataformas de petróleo a turbinas de avião. De acordo com a CMOC
Brasil, segunda maior produtora do mundo, 34% do seu nióbio são usados na construção
civil, 32% no setor de óleo e gás, 20% na indústria automotiva e 5% na
indústria química. “O uso do metal tem aumentado por várias razões:
versatilidade, vantagens econômicas e disponibilidade de suprimento a longo
prazo”, avalia Edmilson Costa, coordenador de geologia e mineração do Instituto
Brasileiro de Mineração (Ibram). “Em muitos casos, a quantidade necessária para
produzir melhorias significativas nas propriedades mecânicas do produto é
mínima. Na fabricação de aço de alta resistência e baixa liga (ARBL), o nióbio
é adicionado em quantidade que vai de 0,01% a 0,10%.”
No
ar, na terra
Diferentes tipos de
indústria se beneficiam com a aplicação do metal
1. Dutos de óleo e gás
Por serem resistentes à
corrosão e a altíssimas pressões, ligas de nióbio são aplicadas na fabricação
de tubulações que transportam grande volume de hidrocarbonetos para abastecer
distribuidoras de combustíveis.
2. Turbina de avião
O ponto de fusão do nióbio
é altíssimo: 2.468 °C. O que isso significa? Membro da família dos metais
refratários, ele resiste a altíssimas temperaturas. Por isso, ligas de nióbio
são usadas no processo de fabricação de turbinas de avião.
3. Carros
A indústria automotiva
aposta no investimento em componentes de nióbio para a fabricação de chassis e
rodas de alumínio ou de aço para a produção de veículos mais leves (e
econômicos).
A fórmula do sucesso
EM 2018, a CBMM foi a
principal patrocinadora de duas etapas da Fórmula-E, categoria de automobilismo
que utiliza carros com motores elétricos e é conhecida como a “Fórmula 1
Sustentável”. O motivo da parceria? Pesquisadores da indústria automotiva
afirmam que o nióbio terá papel importante na produção de carros elétricos: em
testes realizados, baterias feitas com óxido de nióbio se mostraram mais seguras,
duráveis e com tempo de recarga mais rápido. “A CBMM não exporta minério bruto.
É a única do mundo que fabrica todos os produtos de nióbio. O desafio é
desenvolver tecnologias de aplicação para fomentar o mercado desses produtos”,
explica o CEO, Eduardo Ribeiro.
Apesar de manter o olho no
futuro, a companhia pretende expandir as vendas para a indústria siderúrgica —
atualmente, apenas 12% do aço produzido no mundo leva nióbio. Dona do maior
parque siderúrgico do planeta, a China fabrica somente 6% de seu aço com ligas
de nióbio. “Quanto mais resistente é o aço produzido, de menos matéria-prima
você vai precisar para construir o que quer que seja: carro, ponte ou
edifício.”
1. Tão precioso quanto o
ouro?
Nem chega perto. “O custo
de 1 kg de ouro é 1.000 vezes maior que o custo de 1 kg de nióbio existente na
liga ferronióbio”, calcula o engenheiro de materiais Carlos Ângelo Nunes.
2. Salvará o Brasil?
Também não. “Nenhuma
superpotência foi erguida com a exploração de um único item. Diversificação do
quadro produtivo é a chave para o sucesso”, diz o engenheiro Hugo Sandim.
3. A extração ameaça a
amazônia?
É provável. “Caso seja
feita, é evidente que haverá impactos”, alerta Nunes a respeito das reservas
ainda não exploradas localizadas no Amazonas.
4. Matéria-prima de
aeronaves completas?
De jeito nenhum. “O nióbio
é apenas um dos componentes usados nas turbinas de foguetes e aviões”, ressalva
Eduardo Ribeiro, da CBMM.
5. Pode parar um caminhão?
Depende de fatores como o
peso e a velocidade do veículo. “Nióbio puro é muito macio e, em tese, não
resistiria. Mas uma superliga, talvez”, especula Hugo Sandim.
Fonte: publicada
originalmente na edição nº330, de janeiro de 2019, da GALILEU.
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