Os livros apócrifos da Bíblia são
uma importante e complementar fonte de informação e conhecimento, acrescentando
preciosos esclarecimentos às Sagradas Escrituras, principalmente naquilo que se
refere à vida de Jesus Cristo entre os oito e os trinta anos.
Narrada por Jesus a seus apóstolos
Esta é a história da morte de
José, conforme foi narrada pelo Senhor Jesus a seus apóstolos. Escrita no
Egito, por volta do século IV, chegou até os tempos atuais apenas em uma versão
copta e uma outra árabe, com algumas poucas diferenças.
Neste texto, o Senhor Jesus conta
a história de José, o carpinteiro, cujo ofício era o de manufaturar arados e
cangas. Fala de seus sentimentos, quando da aproximação da morte, avisado que
foi por um anjo.
A narração da agonia e da morte
de José é enriquecida por detalhes interessantes, como o da aproximação da
morte, juntamente com seu séquito, inclusive com a presença do diabo.
Alguns detalhes importantes são
apresentados, como o nome dos filhos e a idade de José, quando de seu casamento
com Maria, enquanto que outros, como episódios da infância de Cristo, confirmam
o que é apresentado nos Evangelhos de Pedro, Tiago e Tomé, sobre a Infância do
Salvador. Importante alusão, no final do texto, é feita ao Anticristo, cuja
vinda convulsionará todas as nações.
Quando nosso Salvador contou a
vida de José, o Carpinteiro, a nós, os apóstolos, reunidos no monte das
Oliveiras, nós escrevemos sua palavras e depois guardamo-las na biblioteca de
Jerusalém. Além disso, deixamos consignado que o dia no qual o santo ancião
separou-se do seu corpo: foi do dia 26 de Epep[1] , na paz do Senhor. Amém.
Jesus Fala a Seus Apóstolos
Estava um dia nosso bom Salvador
no monte das Oliveiras, com os discípulos a sua volta e dirigiu-se a eles com
estas palavras:
- Meus queridos irmãos, filhos de
meu amado Pai, escolhidos por Ele entre todos do mundo! Bem sabeis o que tantas
vezes vos repeti: é necessário que eu seja crucificado e que experimente a
morte, que ressuscite de entre os mortos e que vos transmita a mensagem do
Evangelho para que vós, de vossa parte, o pregueis por todo o mundo.
Eu farei descer sobre vós uma
força do alto, a qual vos impregnará com o Espírito Santo, para que vós,
finalmente, pregueis para todas as pessoas desta maneira: fazei penitência!
Porque vale mais um copo de água na vida vindoura do que todas as riquezas
deste mundo. Vale mais pôr somente o pé na casa de meu Pai que toda a riqueza
deste mundo.
Mais ainda: vale mais uma hora de
regozijo para os justos que mil anos para os pecadores, durante os quais hão de
chorar e lamentar, sem que ninguém preste atenção nem console seus gemidos.
Quando, pois, meus queridos amigos, chegue a hora de ir-vos, pregai, que meu
Pai exigirá contas com balança justa e equilibrada e examinará até as palavras
inúteis que possais haver dito.
Assim como ninguém pode escapar à
mão da morte, da mesma maneira ninguém pode subtrair-se de seus próprios atos,
sejam eles bons ou maus. Além disso, vos tenho dito muitas vezes, e repito
agora, que nenhum forte poderá salvar-se por sua própria força e nenhum rico,
pelo tamanho da sua riqueza. E agora, escutai, que narrar-vos-ei a vida de meu
pai José, o abençoado ancião carpinteiro.
Viuvez de José
Havia um homem chamado José, que
veio de Belém, essa vila judia que é a cidade do rei Davi. Impunha-se pela sua
sabedoria e pelo seu ofício de carpinteiro. Este homem, José, uniu-se em santo
matrimônio com uma mulher que lhe deu filhos e filhas: quatro homens e duas
mulheres, cujos nomes eram: Judas, Josetos, Tiago e Simão. Suas filhas
chamavam-se Lísia e Lídia.
A esposa de José morreu, como
está determinado que aconteça a todo o homem, deixando seu filho Tiago ainda
menino de pouca idade. José era um homem justo e dava graças a Deus em todos os
seus atos. Costumava viajar para fora da cidade com freqüência para exercer o
ofício de carpinteiro, em companhia de dois de seus filhos mais velhos, já que
vivia do trabalho de suas mãos, conforme o que estabelecia a lei de Moisés.
Esse homem justo, de quem estou
falando, é José, meu pai segundo a carne, com quem se casou na qualidade de
consorte, minha mãe, Maria.
Maria no Templo
Enquanto meu pai José permanecia
viúvo, minha mãe, a boa bendita entre as mulheres, vivia por sua parte no
templo, servindo a Deus em toda a santidade.
Havia já completado doze anos.
Passara os seus três primeiros anos na casa de seus pais e os nove restantes no
templo do senhor.
Ao ver que a santa donzela levava
uma vida simples e plena de temos a Deus, os sacerdotes conservaram entre si e
disseram:
- Busquemos um homem de bem e
celebremos o casamento com ele, até que chegue o momento de seu matrimônio. Que
não seja por descuido nosso que lhe sobrevenha o período da sua purificação no
templo, nem que venhamos a incorrer em um pecado grave.
Bodas de Maria e José
Convocaram, então, as tribos de
Judá e escolheram entre elas doze homens, correspondendo ao número das doze
tribos. A sorte recaiu sobre o bom velho José, meu pai, segundo a carne.
Disseram os sacerdotes a minha
mãe, a Virgem:
- Vai com José e permanece
submissa a ele, até que chegue a hora de celebrar teu matrimônio.
José levou Maria, minha mãe, para
sua casa. Ela encontrou o pequeno Tiago na triste condição de órfão e o cobriu
de carinhos e cuidados. Esta foi a razão pela qual a chamaram Maria, a mãe de
Tiago.
Depois de tê-la acomodado em sua
casa, José partiu para o local onde exercia o ofício de carpinteiro. Minha mãe
Maria viveu dois anos em sua casa, até que chegou o feliz momento.
A ENCARNAÇÃO
No décimo quarto ano de idade,
Eu, Jesus, vossa vida, vim habitar nela por meu próprio desejo. Aos três meses
de gravidez o solícito José voltou de suas ocupações. Ao encontrar minha mãe
grávida, preso à turbação e ao medo, pensou secretamente em abandoná-la.
Foi tão grande o desgosto, que
não quis comer nem beber naquele dia.
Visão de José
Eis, porém, que durante a noite,
mandado por meu Pai, Gabriel, o arcanjo da alegria, apareceu-lhe numa visão e
lhe disse:
- José, filho de Davi, não tenhas
cuidado em admitir Maria, tua esposa, em tua companhia. Saberás que o que foi
concebido em seu ventre é fruto do Espírito Santo. Dará, então, à luz um filho,
a quem tu porás o nome de Jesus. Ele apascentará os povos com o cajado de
ferro.
Dito isso, o anjo desapareceu.
José, voltando do sono, cumpriu o que lhe havia sido ordenado, admitindo Maria
consigo.
Viagem a Belém
Então o imperador Augusto fez
proclamar que todos deveriam comparecer ao recenseamento, cada um conforme seu
lugar de origem. Também o bom velho se pôs a caminho e levou Maria, minha
virgem mãe, até a sua cidade de Belém.
Como o parto já estava próximo,
ele fez o escriba anotar seu nome da seguinte maneira:
- José, filho de Davi, Maria, sua
esposa, e seu filho Jesus, da tribo de Judá.
Maria, minha mãe, trouxe-me ao
mundo quando retornava de Belém, perto do túmulo de Raquel, a mulher do
patriarca Jacó, a mãe de José e Benjamim.
Fuga para o Egito
Satanás deu um conselho a
Herodes, o Grande, pai de Arqueleu, aquele que fez decapitar meu querido parente
João. Ele me procurou para tirar-me a vida, porque pensava que meu reino era
deste mundo. Meu Pai manifestou isso a José, numa visão, e este pôs-se
imediatamente em fuga levado consigo a mim e a minha mãe, em cujos braços eu ia
deitado.
Salomé também nos acompanhava.
Descemos até o Egito e ali permanecemos por um ano, até que o corpo de Herodes
foi presa da corrupção, como castigo justo pelo sangue dos inocentes que ele
havia derramado e dos quais já nem se lembrava.
Retorno à Galiléia
Quando o iníquo Herodes deixou de
existir, voltamos a Israel e fomos viver em uma vila da Galiléia chamada
Nazaré. Meu pai José, o bendito ancião, continuava exercendo o ofício de
carpinteiro, graças a que podíamos viver.
Jamais poder-se-á dizer que ele
comeu seu pão de graça, mais sim que se conduzia de acordo com o prescrito na
lei de Moisés.
Velhice de José
Depois de tanto tempo, seu corpo
não se mostrava doente, nem tinha a vista fraca, nem havia sequer um só dente
estragado em sua boca. Nunca lhe faltou a sensatez e a prudência e sempre
conservou intacto o seu sadio juízo, mesmo já sendo um venerável ancião de
cento e onze anos.
Obediência de Jesus
Seus dois filhos Josetos e Simão
casaram-se e foram viver em seus próprios lares. Da mesma forma, suas duas
filhas casaram-se, como é natural entre os homens, e José ficou com o seu
pequeno filho Tiago. Eu, da minha parte, desde que minha mãe trouxe-me a este
mundo, estive sempre submisso a ele como um menino e fiz o que é natural entre
os homens, exceto pecar.
Chamava Maria de minha mãe e José
de meu pai. Obedecia-os em tudo o que me pediam, sem ter jamais me permitido
replicar-lhes com uma palavra, mas sim mostrar-lhes sempre um grande carinho.
Frente à Morte
Chegou, porém, para meu pai José,
a hora de abandonar este mundo, que é a sorte de todo homem mortal.
Quando seu corpo adoeceu, veio um
de Deus anjo anunciar-lhe:
- Tua morte dar-se-á neste ano.
Sentindo sua alma cheia de
turbação, ele fez uma viagem até Jerusalém, entrou no templo do Senhor,
humilhou-se diante do altar e orou desta maneira:
ORAÇÃO de José
- Ó Deus, pai de toda
misericórdia e Deus de toda carne, Senhor da minha alma, de meu corpo e do meu
espírito! Se é que já se cumpriram todos os dias da vida que me deste neste
mundo, rogo-te, Senhor Deus, que envies o arcanjo Micael para que fique do meu lado,
até que minha desditada alma saia do corpo sem dor nem turbação. Porque a morte
é para todos causa de dor e turbação, quer se trate de um homem, de um animal
doméstico ou selvagem, ou ainda de um verme ou um pássaro.
Em uma palavra, é muito dolorosa para
todas as criaturas que vivem sob o céu e que alentam um sopro de espírito para
suportar o transe de ver sua alma separada do corpo. Agora, meu Senhor, faz com
que o teu anjo fique do lado da minha alma e do meu corpo e que esta recíproca
separação se consuma sem dor. Não permitas que aquele anjo que me foi dado no
dia em que saí de teu seio volte seu rosto irado para mim ao longo deste
caminho que empreendi até vós, mas sim que ele se mostre amável e pacífico.
Não permitas que aqueles cujas
faces mudam dificultem a minha ida até vós. Não consintas que minha alma caia
em mãos do cérbero e não me confundas em teu formidável tribunal. Não permitas
que as ondas deste rio de fogo, nas quais serão envolvidas todas as almas antes
de ver a glória de teu rosto, voltem-se furiosas contra mim. Ó Deus, que
julgais a todos na Verdade e na Justiça, oxalá tua misericórdia sirva-me agora
de consolo, já que sois a fonte de todos os bens e a ti se deve toda a glória
pela eternidade das eternidades! Amém.
Doença de José
Aconteceu que, ao voltar a sua
residência habitual de Nazaré, viu-se atacado pela doença que havia de levá-lo
ao túmulo. Esta apresentou-se de forma mais alarmante do que em qualquer outra
ocasião de sua vida, desde o dia em que nasceu.
Eis aqui, resumida, a vida de meu
querido pai José: ao chegar aos quarenta anos, contraiu matrimônio, no qual
viveu outros quarenta e nove.
Depois que sua mulher morreu,
passou somente um ano. Minha mãe logo passou dois anos em sua casa, depois que
os sacerdotes confiaram-na com estas palavras:
- Guarda-a até o tempo em que se
celebre vosso matrimônio.
Ao começar o terceiro ano de sua
permanência ali - tinha nessa época quinze anos de idade - trouxe-me ao mundo
de um modo misterioso, que ninguém entre toda a criação pode conhecer, com
exceção de mim, de meu Pai e do Espírito Santo, que formamos uma unidade.
O Início do Fim
A vida de meu pai José, o
abençoado ancião, compreendeu cento e onze anos, conforme determinara meu bom
Pai. O dia em que se separou do corpo foi no dia 26 do mês de Epep.
O ouro acentuado de sua carne
começou a desfazer-se e a prata da sua inteligência e razão sofreu alterações.
Esqueceu-se de comer e de beber e a destreza no desempenho de seu ofício passou
a declinar.
Aconteceu que, ao amanhecer do
dia 26 de Epep, enquanto estava em seu leito, foi tomado de uma grande
agitação. Gemeu forte, bateu palmas três vezes e, fora de si, pôs-se a gritar
dizendo:
Lamentos de José
- Ai, miserável de mim! Ai do dia
em que minha mãe trouxe-me ao mundo! Ai do seio materno do qual recebi o germe
da vida! Ai dos peitos que me amamentaram! Ai do regaço em que me reclinei! Ai
das mãos que me sustentaram até o dia em que cresci e comecei a pecar! Ai de
minha língua e de meus lábios que proferiram injúrias, enganos, infâmias e
calúnias! Ai dos meus olhos, que viram o escândalo! Ai dos meus ouvidos que
escutaram conversações frívolas! Ai das minhas mãos que subtraíram coisas que
não lhes pertenciam!
Ai do meu estômago e do meu
ventre que ambicionaram o que não era deles! Quando alguma coisa lhes era
apresentada, devoravam-na com mais avidez do que poderia fazê-lo o próprio
fogo! Ai dos meus pés que fizeram um mau serviço ao meu corpo, já que o levaram
por maus caminhos! Ao do meu corpo todo que deixou a minha alma reduzida a um
deserto, afastando-a de Deus que a criou! Que farei agora? Não encontro saída
em parte alguma! Em verdade é que pobres dos homens que são pecadores! Esta é a
angústia que se apoderou de meu pai Jacob em sua agonia, a qual veio hoje a ter
comigo, infeliz. Mas, ó Senhor, meu Deus, que és o mediador de minha alma e de
meu corpo e de meu espírito, cumpre em mim a tua divina vontade.
Jesus Consola seu Pai
Quando terminou de dizer estas
palavras, entrei no local onde ele se encontrava e, ao vê-lo agitado de corpo e
de alma, disse-lhe:
- Salve, José, meu querido pai,
ancião bom e abençoado.
Ele respondeu, ainda tomado por
um medo mortal:
- Salve mil vezes, querido filho.
Ao ouvir tua voz, minha alma recupera sua tranqüilidade. Jesus, meu Senhor!
Jesus, meu verdadeiro rei, meu salvador bom e misericordioso! Jesus, meu
libertador! Jesus, meu guia! Jesus, meu protetor! Jesus, em cuja bondade
encontra-se tudo! Jesus, cujo nome é suave e forte na boca de todos! Jesus,
olho que vê e ouvido que ouve verdadeiramente: escuta-me hoje, teu servidor,
quando elevo meus rogos e verto meus lamentos diante de ti.
Em verdade tu és Deus. Tu és o
Senhor, conforme tem-me repetido muitas vezes o anjo, sobretudo naquele dia em
que suspeitas humanas se aninharam em meu coração, ao observar os sinais de
gravidez da Virgem sem mácula e eu havia decidido abandoná-la. Mas, quando eu
estava pensando nisto, um anjo apareceu-me em sonhos e me disse: José, filho de
Davi, não tenhas receio em receber Maria como esposa, pois o que há de dar à
luz é fruto do Espírito Santo. Não guardes suspeita alguma a respeito de sua
gravidez. Ela trará ao mundo um filho e tu dar-lhe-ás o nome de Jesus. Tu és
Jesus Cristo, o salvador da minha alma, de meu corpo e de meu espírito. Não me
condenes, teu servo e obra de tuas mãos.
Eu não sabia nem conhecia o
mistério de teu maravilhoso nascimento e jamais havia ouvido que uma mulher
pudesse conceber sem a obra de um homem e que uma virgem pudesse dar à luz sem
romper o selo de sua virgindade. Ó, meu Senhor! Se não tivesse conhecido a lei
desse mistério, não teria acreditado em ti, nem em teu santo nascimento, nem
rendido honras a Maria, a Virgem, que te trouxe a este mundo. Recordo ainda
aquele dia em que um menino morreu, por causa da mordida de uma serpente. Seus
familiares vieram a ti, com intenção de entregar-te a Herodes.
Mas tua misericórdia alcançou a
pobre vítima e devolveste-lhe a vida para dissipar aquela calúnia que te
faziam, como causador da sua morte. Pelo que houve uma grande alegria na casa
do defunto. Então eu te peguei pela orelha e disse-te: não sejas imprudente,
meu filho. E tu me ameaçaste desta maneira: se não fosses meu pai, segundo a
carne, dar-te-ia a entender que é isso o que acabas de fazer. Sim, pois, ó meu
Senhor e Deus, esta é a razão pela qual vieste em tom de juízo e pela qual
permitiste que recaíssem sobre mim estes terríveis presságios. Suplico-te que
não me coloques diante do teu tribunal para lutar comigo. Eis que eu sou teu
servo e filho de tua escrava. Se houveres por bem romper meus grilhões,
oferecer-te-ei um santo sacrifício, que não será outro senão a confissão da tua
divina glória, de que tu és Jesus Cristo, filho verdadeiro de Deus e, por outro
lado, filho verdadeiro do homem.
AFLIÇÃO de Maria
Quando meu pai disse essas
palavras, eu não pude conter as lágrimas e pus-me a chorar, vendo como a morte
vinha apoderando-se dele pouco a pouco e ouvindo, sobretudo, as palavras cheias
de amargura que saíam da sua boca.
Naquele momento, meus queridos
irmãos, veio-me ao pensamento a morte na cruz que haveria de sofrer pela vida
de todo mundo. Então Maria, minha querida mãe, cujo nome é doce para todos os
que me amam, levantou-se e disse-me, tendo seu coração inundado na amargura:
- Ai de mim, filho querido! Está
à morte o bom e abençoado ancião José, teu pai querido e adorado?
Eu lhe respondi:
- Minha mãe querida, quem entre o
humanos ver-se-á livre da necessidade de ter de encarar a morte? Esta é dona de
toda a humanidade, mãe bendita! E mesmo tu hás de morrer como todos os outros
homens. Nem tua morte nem a de meu pai José, porém, podem chamar-se
propriamente morte, mas vida eterna ininterrupta. Também eu hei de passar por
este transe por causa da carne mortal com a qual estou revestido. Agora, mãe
querida, levanta-te e vai até onde está o abençoado ancião José para que possas
ver o lugar que o aguarda lá no alto.
As Dores de José
Levantou-se, entrou no local onde
ele se encontrava e pôde apreciar os sinais evidentes da morte que já se
refletiam nele. Eu, meus queridos, postei-me em sua cabeceira e minha mãe aos
seus pés. Ele fixava seus olhos no meu rosto, sem poder sequer dirigir-me uma
palavra, já que a morte apoderava-se dele pouco a pouco.
Elevou, então, seu olhar até o
alto e deixou escapar um forte gemido. Eu segurei suas mãos e seus pés durante
um longo tempo e ele me olhava, suplicando-me que não o abandonasse nas mãos
dos seus inimigos.
Eu coloquei minha mão sobre seu
peito e notei que sua alma já havia subido até a sua garganta para deixar seu
corpo, mas ainda não havia chegado o momento supremo da morte. Caso contrário,
não teria podido agüentar mais.
Não obstante, as lágrimas, a
comoção e o abatimento que sempre a precedem já faziam presentes.
A Agonia
Quando minha mãe querida viu-me
apalpar o seu corpo, quis ela, de sua parte apalpar, os pés e notou que o
alento havia fugido juntamente com o calor.
Dirigiu-se a mim e disse-me
ingenuamente:
- Obrigada, filho querido, pois
desde o momento em que puseste tua mão sobre seu corpo, a febre o abandonou.
Vê, seus membros estão frios como o gelo.
Eu chamei os seus filhos e filhas
e lhes disse:
- Falai agora com o vosso pai,
que este é o momento de fazê-lo, antes que sua boca deixe de falar e seu corpo
fique hirto.
Seus filhos e filhas falaram com
ele, mas sua vida estava minada por aquela doença mortal que provocaria sua
saída deste mundo. Então, Lísia, filha de José, levantou-se para dizer aos seus
irmãos:
- Juro, queridos irmãos, que esta
é a mesma doença que derrubou a nossa mãe e que não voltou a aparecer por aqui
até agora. O mesmo acontece com o nosso pai José, para que não voltemos a vê-lo
senão na eternidade.
Então os filhos de José
irromperam em lamentos. Maria, minha mãe, e eu, de nossa parte, unimo-nos ao
seu pranto pois, efetivamente, já havia chegado a hora da morte.
A Morte Chega
Pus-me a olhar para o sul e vi a
morte dirigir-se a nossa casa. Vinha seguida de Amenti, que é seu satélite, e
do Diabo, a quem acompanhava uma multidão de esbirros vestidos de fogo, cujas
bocas vomitavam fumaça e enxofre.
Ao levantar os olhos, meu pai
deparou-se com aquele cortejo que o olhava com rosto colérico e raivoso, do
mesmo modo que costuma olhar todas as almas que saem do corpo, particularmente
aquelas que são pecadoras e que considera como propriedade sua.
Diante da visão desse espetáculo,
os olhos do bom velho anuviaram-se de lágrimas. Foi neste momento em que meu
pai exalou sua alma com um grande suspiro, enquanto procurava encontrar um
lugar onde se esconder e salvar-se. Quando observei o suspiro de meu pai,
provocado pela visão daquelas forças até então desconhecidas para ele, levantei-me
rapidamente e expulsei o Diabo e todo seu cortejo. Eles fugiram envergonhados e
confusos. Ninguém entre os presentes, nem mesmo minha própria mãe Maria,
apercebeu-se da presença daqueles terríveis esquadrões que saem à caça de almas
humanas.
Quando a morte percebeu que eu
havia expulsado e mandado embora as potestades infernais, para que não pudessem
espalhar armadilhas, encheu-se de pavor. Levantei-me apressadamente e dirigi
esta oração a meu Pai, o Deus de toda misericórdia:
ORAÇÃO de Jesus
- Meu Pai misericordioso, Pai da
verdade, olho que vê e ouvido que ouve, escuta-me, que eu sou teu filho
querido! Peço-te por meu pai José, a obra de vossas mãos. Envia-me um grande
corpo de anjos, juntamente com Micael, o administrador dos bens, e com Gabriel,
o bom mensageiro da luz, para que acompanhem a alma de meu pai José até que se
tenha livrado do sétimo éon tenebroso, de forma que não se veja forçado a
empreender esses caminhos infernais, terríveis para o viajante por estarem
infestados de gênios malignos e saqueadores e por ter de atravessar esse lugar
espantoso por onde corre um rio de fogo igual às ondas do mar. Sede, além
disso, piedoso para com a alma de meu pai José, quando ela vier repousar em
vossas mãos, pois é este o momento em que mais necessita da tua misericórdia.
Eu vos digo, veneráveis irmãos e
abençoados apóstolos, que todo homem que, chegando a discernir entre o bem e o
mal, tenha consumido seu tempo seguindo a fascinação dos seus olhos, quando
chegue a hora de sua morte e tenha de libertar o passo para comparecer diante
do tribunal terrível e fazer sua própria defesa, ver-se-á necessitado da
piedade de meu bom Pai.
Continuemos, porém, relatando o
desenlace de meu pai, o abençoado ancião.
José Expira
Quando eu disse amém, Maria, minha
mãe, respondeu na língua falada pelos habitantes do céu. No mesmo instante
Micael, Gabriel e anjos, em coro, vindos do céu, voaram sobre o corpo de meu
pai José.
Em seguida, intensificaram-se os
lamentos próprios da morte e soube, então, que havia chegado o momento
desolador. Sofria meu pai dores parecidas com as de uma mulher no parto,
enquanto que a febre o castigava da mesma maneira que um forte furacão ou um
imenso fogo devasta um espesso bosque.
A morte, cheia de medo, não
ousava lançar-se sobre o corpo de meu pai para separá-lo da alma, pois seu
olhar havia dado comigo, que estava sentado a sua cabeceira, com as mãos sobre
suas têmporas.
Quando me apercebi de que a morte
tinha medo de entrar por minha causa, levantei-me, dirigi meus passos até o
lado de fora da porta e encontrei-a só e amedrontada, em atitude de espera.
Eu lhe disse:
- Ó tu, que vens do Meio-dia,
entra rapidamente e cumpre o que ordenou-te meu Pai. Porém, guarda José como a
menina dos teus olhos, posto que é meu pai segundo a carne e compartilhou a dor
comigo, durante os anos da minha infância, quanto teve de fugir de um lado para
outro por causa das maquinações de Herodes e ensinou-me como costumam fazer os
pais para o proveito dos seus filhos.
Então Abbadão entrou, tomou a
alma de meu pai José e separou-a do corpo no mesmo instante em que o sol fazia
sua aparição no horizonte, no dia 26 do mês de Epep, em paz.
A vida de meu pai compreendeu
cento e onze anos. Micael e Gabriel pegaram cada qual em um extremo de um pano
de seda e nele depositaram a alma de meu querido pai José depois de tê-la
beijado reverentemente.
Enquanto isso, nenhum dos que
rodeavam José havia percebido a sua morte, nem sequer minha mãe Maria. Eu
confiei a alma do meu querido pai José a Micael e Gabriel, para que a
guardassem contra os raptores que saqueiam pelo caminho e encarreguei os
espíritos incorpóreos de continuarem cantando canções até que, finalmente,
depositaram-no junto a meu Pai no céu.
Luto na Casa de José
Inclinei-me sobre o corpo inerte
de meu pai. Cerrei seus olhos, fechei sua boca e levantei-me para contemplá-lo.
Depois disse à Virgem:
- Ó Maria, minha mãe, onde estão
os objetos de artesanato feitos por ele desde sua infância até hoje? Neste
momento todos eles passaram, como se ele não tivesse sequer vindo a este mundo.
Quando seus filhos e filhas
ouviram-me dizer isto a Maria, minha mãe virginal, perguntaram-me com vozes
fortes e lamentos:
- Será que nosso pai morreu sem
que nós nos apercebêssemos?
Eu lhes disse:
- Efetivamente, morreu, mas sua
morte não é morte, porém vida eterna. Grandes coisas esperam nosso querido pai
José. Desde o momento em que sua alma sai do seu corpo, desapareceu para ele
toda espécie de dor. Ele se pôs a caminho do reino eterno. Deixou atrás de si o
peso da carne, com todo este mundo de dor e de preocupações, e foi para o lugar
de repouso que tem meu Pai nesses céus que nunca serão destruídos.
Ao dizer a meus irmãos que o
nosso pai José, o abençoado ancião, havia finalmente morrido, eles se
levantaram, rasgaram suas vestes e o choraram durante um longo tempo.
Luto em Nazaré
Quando os habitantes de Nazaré e
de toda a Galiléia inteiraram-se da triste nova, acudiram em massa ao lugar
onde nos encontrávamos. De acordo com a lei dos judeus, passaram todo o dia
dando sinais de luto até que chegou a nona hora.
Despedi, então todos, derramei
água sobre o corpo de meu pai José, ungi-o com bálsamo e dirigi ao meu Pai
amado, que está nos céus, uma oração celestial que havia escrito com meus
próprios dedos, antes de encarnar-me nas entranhas da Virgem Maria.
Ao dizer amém, veio uma multidão
de anjos. Mandei que dois deles estendessem um manto para depositar nele o
corpo de meu pai José para que o amortalhassem.
BÊNÇÃO de Jesus
Pus minhas mãos sobre o seu corpo
e disse:
- Não serás vítima da fetidez da
morte. Que teus ouvidos não sofram corrupção. Que não emane podridão de teu
corpo. Que não se perca na terra a tua mortalha nem a tua carne, mas que fiquem
intactas, aderidas ao teu corpo até o dia do convite dos dois mil anos. Que não
envelheçam, querido pai, esses cabelos que tantas vezes acariciei com minhas mãos.
E que a boa sorte esteja contigo. Aquele que se preocupar em levar uma oferenda
ao teu santuário no dia de tua comemoração, eu o abençoarei com afluxos de dons
celestiais. Assim mesmo, a todo aquele que der pão a um pobre em teu nome, não
permitirei que se veja agoniado pela necessidade de quaisquer bens deste mundo,
durante todos os dias de sua vida.
Conceder-te-ei que possas
convidar ao banquete dos mil anos a todos aqueles que no dia de tua comemoração
ponham um copo de vinho na mão de um forasteiro, de uma viúva ou de um órfão.
Hei de dar-te de presente, enquanto vivam neste mundo, a todos os que se
dediquem a escrever o livro da tua saída deste mundo e a consignar todas as
palavras que hoje saíram de minha boca. Quando abandonarem este mundo, farei
com que desapareça o livro no qual estão escritos seus pecados e que não sofram
nenhum tormento, além da inevitável morte e do rio de fogo que está diante do
meu Pai, para purificar toda a espécie de almas. Se acontecer que um pobre, não
podendo fazer nada do que foi dito, ponha o nome de José em um de seus filhos
em tua honra, farei com que naquela casa não entre a fome nem a peste, pois o
teu nome habita ali de verdade.
A Caminho do Túmulo
Os anciãos da cidade
apresentaram-se na casa enlutada, acompanhados daqueles que procediam ao
sepultamento à maneira judia. Encontraram o cadáver já preparado para o
enterro. A mortalha se havia aderido fortemente ao seu corpo, como se houvessem
atado com grampos de ferro e não puderam encontrar sua abertura, quando removeram
o cadáver.
Em seguida, passou-se a conduzir
o morto até seu túmulo. Quando chegaram até ele e estavam já preparados para
abrir sua entrada e colocá-lo junto aos restos de seu pai, veio-me à mente a
lembrança do dia em que me levou até o Egito e das grandes preocupações que
assumiu por mim.
Não pude deixar de atirar-me
sobre o seu corpo e chorar por um longo tempo, dizendo:
EXCLAMAÇÕES de Jesus
- Ó morte, de quantas lágrimas e
lamentos és causa! Esse poder, porém, vem d'Aquele que tem sob o seu domínio
todo o universo. Por isso tal reprovação não vai tanto contra a morte senão
contra Adão e Eva. A morte não atua nunca sem uma prévia ordem de meu Pai.
Existem aqueles que viveram mais de novecentos anos e outros ainda muito mais
tempo. Entretanto, nenhum deles disse: eu vi a morte ou a morte vinha de tempos
em tempos atormentar-me. Senão que ela traz uma só vez a dor e, ainda assim, é
meu bom Pai quem a envia. Quando vem em busca do homem, ela sabe que tal
resolução provém do céu. Se a sentença vem carregada de raiva, a morte também
se manifesta colérica para cumprir sua incumbência, pegando a alma do homem e
entregando-a ao seu Senhor.
A morte não tem atribuições para
atirar o homem ao inferno nem para introduzí-lo no reino celestial. A morte
cumpre de fato a missão de Deus, ao contrário de Adão, que ao não submeter-se à
vontade divina, cometeu uma transgressão. Ele irritou meu Pai contra si, por
haver preferido dar ouvidos a sua mulher, antes de obedecer à sua missão.
Assim, todo ser vivo ficou implacavelmente condenado à morte.
Se Adão não houvesse sido
desobediente, meu Pai não o teria castigado com esta terrível sina. O que
impede agora que eu faça uma oração ao meu bom Pai para que envie um grande
carro luminoso para elevar José, a fim de que não prove das amarguras da morte
e que o transporte ao lugar de repouso, na mesma carne que trouxe ao mundo,
para que ali viva com seus anjos incorpóreos? A transgressão de Adão foi a
causa de sobreviverem esses grandes males sobre a humanidade, juntamente com o
irremediável da morte. Embora eu mesmo carregue também esta carne concebida na
dor, devo provar com ela da morte para que possa apiedar-me das criaturas que
formei.
O Enterro
Enquanto dizia essas coisas,
abraçado ao corpo de meu pai José e chorando sobre ele, abriram a entrada do
sepulcro e depositaram o cadáver junto ao de seu pai Jacob. Sua vida foi de
cento e onze anos, sem que ao fim de tanto tempo um só dente tivesse estragado
em sua boca ou sem que seus olhos se tornassem fracos, senão que todo o seu
aspecto assemelhava-se ao de um afetuoso menino.
Nunca esteve doente, senão que
trabalhou continuamente em seu ofício de carpinteiro, até o dia que sobreveio a
doença que haveria de levá-lo ao sepulcro.
CONTESTAÇÃO dos Apóstolos
Quando nós, os apóstolos, ouvimos
tais coisas dos lábios de nosso Salvador, pusemo-nos em pé, cheios de prazer e
passamos a adorar suas mãos e seus pés, dizendo com o êxtase da alegria:
- Damos-te graças, nosso Senhor e
Salvador, por te haveres dignado a presentear-nos com essas palavras saídas de
teus lábios. Mas não deixamos de admirar, ó bom Salvador, pois não entendemos
como, havendo concedido a imortalidade a Elias e a Enoch, já que estão desfrutando
dos bens na mesma carne com que nasceram, sem que tenham sido vítimas da
corrupção, e agora, tratando-se do bendito ancião José, o Carpinteiro, a quem
concedeste a grande honra de chamá-lo teu pai e de obedecê-lo em todas as
coisas, a nós mesmos nos encarregaste:
quando fordes revestidos da mesma
força, recebereis a voz de meu Pai, isto é, o Espírito Paráclito, e sereis
enviados para pregar o evangelho e pregai também ao querido pai José. E ainda:
consignai estas palavras de vida no testamento de sua partida deste mundo e lê
as palavras deste testamento nos dias solenes e festivos e quem não tiver
aprendido a ler corretamente, não deve ler este testamento nos dias festivos.
Finalmente, quem suprimir o adicionar algo a estas palavras, de maneira a fazer-me
embusteiro, será réu de minha vingança. Admira-nos, repetimos, aquele que,
havendo chamado teu pai segundo a carne, desde o dia em que nasceste em Belém,
não lhe tenhas concedido a imortalidade para viver eternamente.
. Resposta de Jesus
Nosso Salvador respondeu,
dizendo-nos:
- A sentença pronunciada por meu
Pai contra Adão não deixará de ser cumprida, já que este não foi obediente aos
mandamentos. Quando meu Pai destina a alguém ser justo, este vem a ser
imediatamente o seu eleito. Se um homem ofende a Deus por amar as obras do
demônio, acaso ignora que um dia virá a cair em suas mãos se seguir
impenitente, mesmo se lhe concederem longos dias de vida?
Se, ao contrário, alguém vive
muito tempo, fazendo sempre boas obras, serão exatamente elas que o farão
velho. Quando Deus vê que alguém segue o caminho da perdição, costuma
conceder-lhe um curto prazo de vida e o faz desaparecer na metade dos seus
dias. Quanto aos demais, hão de ter o exato cumprimento das profecias ditadas
por meu Pai acerca da humanidade e todas as coisas hão de suceder de acordo com
elas. Haveis citado o caso de Enoch e Elias. Eles, dizeis, continuam vivendo e
conservam a carne que trouxeram a este mundo. Por que, então, em se tratando de
meu pai, não lhe permiti conservar seu corpo? Então eu digo que, mesmo que
houvesse chegado a ter mais de dez mil anos, sempre incorreria na mesma
necessidade de morrer.
Mais ainda, eu asseguro que
sempre que Enoch e Elias pensam na morte, desejariam já havê-la sofrido a
verem-se assim, livres da necessidade que lhes é imposta, já que deverão morrer
num dia de turbação, de medo, de gritos, de perdição e de aflição. Pois haveis
de saber que o Anticristo há de matar esses homens e de derramar seu sangue na
terra como água de um copo por causa das incriminações que lhe imputarão,
quando os acusarem.
Epílogo
Nós respondemos, dizendo:
- Nosso Senhor e Deus, quem são
esses dois homens, dos quais disseste que o filho da perdição matará por um
copo de água?
Jesus, nosso Salvador e nossa vida, respondeu:
- Enoch e Elias.
Ao ouvir essas palavras da boca
de nosso Salvador, se nos encheu o coração de prazer e de alegria. Por isso lhe
rendemos homenagens e graças como nosso Senhor, nosso Deus e nosso Salvador,
Jesus Cristo, por meio de quem vão para o Pai toda a glória e toda a honra
juntamente com Ele e com o Espírito Santo vivificador, agora, por todo o tempo
e pela eternidade das eternidades.
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