Agradeço ao público, a que tenho a honra de
falar, pela atenção que me concedem. Lerei esta noite um trabalho meu sobre o
importante problema de nosso destino. Inicio logo o argumento, estabelecendo a
pergunta: existe em nossa vida um destino? E, se existe, até que ponto tem ele
o poder de enlaçar nossos atos? Existe nestes uma zona de fatalidade? E até que
ponto esta exclui nossa responsabilidade? Devo presumir, como já admito, o princípio
de causalidade; mas pergunto: até que ponto o efeito é ligado a causa de modo a
excluir o livre-arbítrio? Tentemos responder a estas perguntas, procurando
penetrar no mundo do imponderável, cujo funcionamento veremos depois.
A atuação de uma ação nossa representa o
arremesso de uma força de nossa personalidade espiritual sobre o mundo
exterior. Essa força segue uma trajetória própria e sofre as leis do mundo
dinâmico. Nossa responsabilidade também é uma força lançada sobre seu
tornar-se, ao longo do caminho da evolução. Esse paralelo com o mundo dinâmico
nos indica o que sucede no mundo imponderável de nossa personalidade. Quando lançamos uma pedra, somos livres de
lançá-la com a força e na direção que quisermos, mas, depois, uma vez lançada,
a pedra seguirá por si mesma através do espaço, como um ser autônomo, com
impulso próprio e uma trajetória sua, até o esgotamento do impulso que de nós
recebeu. Enquanto está em sua fase de causa, o fenômeno assume caráter de livre
escolha; contudo, em seu segundo aspecto, isto é, em sua fase de efeito, assume
caráter de determinismo. Este paralelo entre o mundo dinâmico e o mundo do
pensamento e da ação humana, é lógico e autorizado em um universo orgânico como
o nosso, dirigido por um princípio unitário e por esquemas únicos, repetidos em
várias altitudes e em todas as combinações possíveis. É precisamente este
indiscutível fato da estrutura orgânica do universo, que nos permite deduzir,
partindo das zonas conhecidas, as relações das zonas ignoradas. Somente com
este sistema é hoje possível sondar o imponderável, descobrir-lhe as leis e
estabelecer-lhe o funcionamento, chegando a resultados que o enquadram na
fenomelogia universal, satisfazendo perfeitamente a nossa razão. Não podemos
pedir à ciência positiva e objetiva que aceite os resultados que assim obtemos,
senão como hipótese de trabalho. À análise competem, posteriormente, a prova e
a demonstração. Enquanto isso não se der, porém, já foi obtida a orientação,
fato que permite dirigir a pesquisa na direção dos gânglios vitais dos
fenômenos, sem dissipá-la em contínuas tentativas.
No arremesso, portanto, de nossas ações, da
parte de nossa personalidade espiritual, acontece precisamente o que se
verifica no lançar de uma pedra. Todo o nosso ser se centraliza em nosso eu ou
espírito, que é justamente um organismo de forças, donde é lançado aquele
impulso que se dirige do interior imponderável para o ambiente externo, onde,
sob a forma de ação, se imprime na sua manifestação material, concreta. É assim
que o imponderável atinge sua expressão exterior, objetiva, verificável pelos
sentidos. Observemos o mecanismo
deste fenômeno. As forças que nós, com nossas ações, movimentamos no passado,
representam, uma vez lançadas, uma vontade autônoma, um impulso que
automaticamente, por inércia, tende a continuar movimentando-se e a
conduzir-nos adiante, na direção inicial. Se, inicialmente, nós movimentamos
nossas obras, agora elas nos movimentam, arrastando-nos não para onde hoje
queremos, mas, para onde ontem quisemos. O passado não morre, mas revive sempre
no presente. Nossas obras nos acompanham. Em face de tal estrutura orgânica da
vida, em que se observa uma concatenação causal, a longo prazo, onde o presente
é preparado pela passado e o futuro se baseia no presente, a filosofia “carpe
diem” é uma forma de inconsciência. A liberdade, que julgamos ser sempre virgem
e completa, só o é na fase inicial de nossas ações; ela não pode permanecer
sempre no estado neutro de escolha, mas se fixa e se coagula num determinismo
que representa o lógico encadeamento, por continuação, que vem desde o impulso
dado. E este vem a constituir também um impulso no nosso destino, ligando
aquela liberdade às suas próprias conseqüências; já agora não se pode impedir a
continuação daquele impulso, senão por um outro, corretivo e contrário. Assim,
nossas obras, nascidas por nossa vontade, tornam-se vivas e, como que animadas
por uma vontade própria, são ativas e agem por nós, como criações nossas. Nossa personalidade é um fenômeno
continuativo em que os momentos sucessivos de seu tornar-se se acham
entrosados, em que as forças por nós tornadas próprias se determinam e se
arremessam, não podendo ser anuladas senão depois de completo desenvolvimento e
exaustão. Elas formam, por qualidade e quantidade, a nossa força; e o passado
fica fazendo parte de nós tanto quanto o presente. Elas vêm a ser a definição
de nós mesmos, um fato completo que não é fácil modificar; vivem em nosso
destino sob essa forma de fato que, no entanto, nunca é absoluto, pois no
movimento incessante da vida é sempre suscetível de retoques e alterações.
À medida que nossa vida prossegue, o novo
que nos chega cada dia, se já não nos estava anteriormente vinculado, é livre e
no curso de nossa vida, com as nossas ações, nós o encadeamos. Assim avançamos,
ligando nossa própria liberdade a esta ou aquela coisa, até que o impulso se
esgote e a trajetória finde. Em se desenvolvendo, porém, o fio da vida traz
sempre uma nova e virgem liberdade, que vamos sucessivamente encadeando e
cristalizando no determinismo, até que a abandonemos no passado, assim
cristalizada, após haver concluído o ciclo da experiência. A liberdade é
interior, situa-se no centro da personalidade, vive no reino das motivações; é
daí que a atividade se dirige para a periferia e se expande no mundo exterior
da manifestação, que é o reino do determinismo. Tanto esse ligar-se como esse
extinguir-se no determinismo correspondem às características dos dois mundos,
interior e exterior, que as forças motrizes de nossos atos percorrem, nascendo
no primeiro, centro da personalidade, e extinguindo-se, esgotando-se no
segundo, na periferia, no mundo exterior.
Assim como
com a germinação constante de novas ações, uma sempre nova e intacta liberdade
nos espera; assim também no período de sua maturação um farnel de fatalidade
sempre nos acompanha e nos envolve como uma nossa atmosfera, formando uma
espécie de casca dinâmica que aprisiona nossa personalidade. É a Nêmesis da
vida, que pode esmagar-nos ou erguer-nos, como ontem quisemos que hoje fosse.
Do mesmo modo que os filhos exprimem as qualidades dos genitores, assim aquelas
criações testemunham nosso passado e querem viver, manifestar-se e agir tais
quais são, sendo impossível destruí-las ou impor-lhes silêncio. Elas gritam por
si mesmas e querem como nós a quisemos. É delas o poder de afirmar: “este é
inocente”, ou: “este é culpado”. Podem abençoar ou amaldiçoar, pedir um prêmio
ou exigir uma punição. Se foram movimentadas para os caminhos do bem, tendem a
salvar-nos; se o foram para as vias do mal, não se deterão enquanto não
conseguirem desgraçar-nos. E isso porque representam uma causa que reclama seu
efeito, um impulso que quer esgotar-se na direção em que foi lançado.
Oi!
ResponderExcluirSou fã de seu blog e muitas vezes publico matéria no meu próprio blog, http://www.cronicasdoalterego.blogspot.com.br. Este artigo mesmo eu publiquei.
Convido você para uma visita, e, se não for pedir demais, perguntar se você não gostaria de publicar uma matéria nele.
Abraços
Flávia Nagel