ALEX SUNDER começou ilustrando matérias de RPG para revistas e livros de RPG nacionais, como Dragon Magazine, Dragão Brasil e Daemon. Publicou através da Trama Editorial a mini-série GODLESS (Ver matéria). Em 1999, através da Chaos! Comics desenhou a mini-série "The Misfits" e em 2004 a mini-série "Orion The Hunter" para a editora Blue Water. Atualmente, ALEX SUNDER enveredou para as Artes Plásticas, deixando os quadrinhos de lado para produzir obras com um fundo mais artístico.
A PANACÉIA ESSENCIAL - Falemos do projeto "GODLESS" (HQ nacional em série, lançada pela Editora Trama, produzida por Alex Sunder,William Shibuya, Alexandre Jubran), lembro-me que na época de seu lançamento (o qual cobri através do encarte cultural "MANIA") havia uma certa atmosfera de entusiasmo pelo momento que estávamos passando com as editoras investindo em HQs nacionais, num alto padrão de qualidade. Passado o tempo, observando este período, qual é a sua avaliação crítica?
Sim, o entusiasmo era enorme. Não havia até então nenhuma produção 100% brasileira feita nos moldes do que estava sendo produzido lá fora. Não somente uma mini-série, em mesmo formato, mas o roteiro, desenho e cor 100% nacionais. A cor digital ainda era novidade numa publicação nacional de quadrinhos. Coisa que o Jubran fez muito bem. Ainda acho que o melhor da Godless foi a colorização do Alexandre Jubran.Naquela época, eu era um assíduo leitor das revistas da Editora Image. Comprava praticamente todos os seus títulos (Entre meus prediletos, Pitt, Wild CATS, Darkness, Witchblade, Cyber Force, Wet Works, Gen 13, etc). A idéia era produzir uma revista nos mesmos moldes, inclusive o que a Image tinha de pior (risos), hoje tenho essa consciência, mas na época eu ainda era muito ingênuo. Esse alto padrão de qualidade que voce fala, hoje vejo como "nem tão alto assim", pra ser sincero, nem um pouco alto. Penso que, naquela época, poucos títulos da Image eram verdadeiramente bons. A maioria dos títulos tinha uma história muito, muito, muito fraca, e serviam de pretexto para que os desenhistas desenhassem somente o que gostavam. Acho que esse foi o preço que os fundadores da Image pagaram, quando deixaram as grandes editoras para fundar a Image, uma editora fundada por um monte de desenhistas muito jovens. Claro que, quando o desenhista é um fenômeno, como o caso de Jim Lee, pelo menos a gente se distrai com a arte (risos), que é deslumbrante. Mas no caso da Godless, minha arte ainda era muito imatura, não sobrava muita coisa... No fim das contas, apesar dos pesares, e de todos os defeitos da nossa produção, acho que serviu como impulso pra muita gente ver e pensar "se esses caras podem fazer um gibi, eu também posso". E isso de fato aconteceu. Até com desenhistas que se sentiram tão confidentes que não chegaram nem a publicar primeiro no Brasil, foram estrear direto nos EUA.Muito pouco depois da Godless e da UFO Team veio uma avalanche de revistas nacionais feitas por pequenas editoras. Até a Abril resolveu apostar (e roubar meu colorista) fazendo a Spirit of Amazon. Isso prova que, realmente, a Godless e a U.F.O Team fizeram crias, apesar de qualquer coisa. Ninguém pode negar isso, e me deixa muito feliz.
Falemos agora sobre interferência editorial, sinergia entre argumento e arte, os bastidores de uma HQ. Acompanhando Godless, desde o ínicio, sei que houveram contratempos em relação ao roteiro, atrasos entre as edições, e uma clara diferença no seu traço, que sempre apreciei, nítidamente nas duas últimas edições. Esclareça aos leitores da época e de hoje, o que aconteceu.
O Marcelo Cassaro nos dava liberdade total. Ele revisava as páginas e lia o roteiro inicial de cada sessão, mas, era incrivelmente flexível. Foi o melhor editor que tive até hoje! Só tenho a agradecer, pois, ele foi o primeiro a acreditar na minha arte. Eu pedi a meu melhor amigo naquela época, o William Shibuya , pra me ajudar a escrever roteiro, sendo que ele sempre fora mais culto e mais letrado do que eu. Shibuya escreveu tudo sozinho, e eu mudava pouca coisa no começo, alguns diálogos , por exemplo. Mais para o fim da mini-série, quando me enrolei com os prazos, acabamos mudando bastante coisa, e o roteiro de Shibuya foi usado somente como base. Hoje, acho que deveria ter seguido a risca o roteiro dele, que sempre fora um melhor Storyteller do que eu.
Tivemos pouco atraso entre as duas primeiras edições, e um grande atraso para as duas últimas. Dá pra notar que a edição três o desenho é um pouco melhor trabalhado...o caso é que perdi mais tempo com essa edição do que com as outras. Não acho que meu traço tenha mudado muito. Acho que foram necessárias muitas edições para que se nota-se uma forte diferença no meu desenho. No caso de Godless, penso existir muita diferença entre os quadros que dediquei mais tempo e aqueles que "chutei o pau" devido ao prazo ficar apertado. E isso acontecia de forma estranha, pois, às vezes, sabia que o prazo iria estourar e perdia tempo em certos quadros que não precisava. Às vezes, tinha muito tempo e corria com o quadro. Acho que tudo talvez fosse o caso de alguma cena me dar mais vontade de desenhar ou não. Era uma confusão (risos). Não tinha experiência alguma com a produção de uma revista mensal...
O Cassaro foi muito paciente conosco. A terceira edição é minha predileta (até onde me lembro, mas posso estar confundindo as edições), apesar da capa ser um desastre. A melhor capa pra mim é a da primeira edição.
APE – Baseado em sua experiência neste trabalho (Godless) e na sua carreira em HQ´s, diga-nos quais são os maiores desafios para se trabalhar nesta indústria no Brasil? Aproveitando a linha de raciocínio gostaria que você indicasse àqueles que estão agora fazendo seus desenhos em casa, sem as manhas e artimanhas do meio que pretendem realizar carreira, qual é o "caminho das pedras".
Eu realmente acredito que a dificuldade para se trabalhar no Brasil seja a mesma de qualquer parte do mundo. Se você nunca se esforçou pra melhorar seu traço, se não treina e desenvolve seu desenho, nenhuma editora no mundo vai te contratar. As pessoas reclamam que quadrinhos no Brasil não vão pra frente, sempre reclamaram disso, e tenho certeza que irão continuar reclamando, mas a grande verdade é que a cultura brasileira nunca abraçou os quadrinhos. Tanto é que o Mangá, muito mais recente, em pouco tempo, alcançou um prestígio muito maior do que os quadrinhos de super heróis jamais tiveram. E pode ter certeza de que vai ser passageiro. Os americanos, europeus e japoneses lêem mais do que a gente, e gostam mais de fantasia do que nós. Quantos escritores de ficção científica brasileiros você conhece?
O “caminho das pedras” é o mesmo pra qualquer profissão, pois, desenhar quadrinhos não tem nada de glamouroso, é puro sangue e suor! O cara tem que se matar pra fazer uma página por dia, às vezes, mais do que uma página por dia, que seria o ideal. As editoras são cruéis com os prazos e, se você atrasa como o pessoal diz: "a fila anda". O importante é ter isso em mente: Você não vai desenhar só quando estiver com vontade, vai ter que desenhar o tempo todo, e correr pra entregar no prazo. Se você se sentir confortável com isso, é só continuar desenhando, sem parar, montando páginas seqüenciais e enviar cópias de seus testes para os editores. Se o cara desenha o dia inteiro, é uma questão de tempo até que ele seja contratado. Hoje a coisa é ainda mais fácil com a Internet. Dá pra enviar seus trabalhos pra editoras no mundo inteiro, se seu trabalho for bom, não é possível que ninguém te contrate. Mas, é sempre importante lembrar para não tentar começar batendo logo na porta dos gigantes. Às vezes, a pessoa faz isso, recebe um não, e desiste de um sonho. Existem centenas de pequenas editoras, elas são sempre excelentes pontos de partida para a construção de uma carreira sólida.
APE – Recordo-me que, pelos idos de 92 ( 93?) no USPCON (que foi, se não me engano, o 1º evento de RPG realizado em São Paulo, e lá estava eu vendo a engrenagem começar a se mover), quando o conheci, pude analisar um desenho que você estava finalizando e me impressionou muito a qualidade e estilo do trabalho (há alguns anos-luz do que fazia), Quais foram suas principais influências artísticas em HQ´s? Há alguém que você destaque hoje?
Não me lembro ao certo que desenho era esse! Para mim, tudo começou com os desenhos animados da Marvel que traziam o traço de Jack Kirby. Até hoje, os personagens desses desenhos são meus personagens prediletos (Namor, Thor, Capitão América, Homem de Ferro e Hulk). Jack Kirby , para mim, foi o maior de todos os tempos. Outras influências foram: John Byrne, Jim Lee, Scott Campbell e outros. Faz muito tempo que não compro um gibi, estou bem defasado, mas, há alguns anos atrás, vi um gibi do Leinil Francis Yu, e fiquei muito, muito impressionado. Outro artista "novo" que gosto demais é o Travis Charest.
APE – Fale-nos de alguns profissionais de HQ´s que conheceu. Algum deles forneceu a você alguma dica que marca o seu trabalho até hoje?
Muitos. Eduardo Barreto me ensinou a virar o desenho contra a luz para ver as distorções anatômicas. O Jim Lee quando veio ao Rio também ensinou não só a mim, mas a muitas pessoas uma porção de coisas legais. Conheci nos EUA o Boris Vallejo, Julie Bell e o Bernie Wrightson, todos eles fizeram observações valiosas. Os artistas paulistanos, quase todos eles, são meus amigos, foram os maiores responsáveis pela formação do meu traço. A verdade é que grandes desenhistas sempre tem algo a ensinar, se você conhecer algum, com certeza irá aprender algo.
APE – Cada vez mais o "mangá" se torna uma influência de estilo no mercado americano e, no Brasil, há uma parcela enorme de jovens desenhistas desenhando esse estilo. Comente esse cenário. Alguns desenhistas acreditam que o estilo "mangá" prejudica a formação e lapidação de artes realmente originais. Você concorda?
Eu acredito que, quase toda forma de arte é algo maravilhoso. Claro que sempre existirá uma questão de gosto estritamente pessoal. Sempre assisti Animes, isso muito antes do "big boom" do mangá. Tenho todas as edições de Akira, aliás, Otomo (Katsuhiro Otomo, criador da série Akira) é um dos meus artistas prediletos, mas, sinceramente, o mangá é um estilo que nunca me emocionou como os quadrinhos americanos. Principalmente esse estilão mais comercial que se vê por aí. Eu concordo que a influência desse traço oriental seja prejudicial para a formação de novos talentos, mas, acho que o que prejudica são as influências de mangás de péssima qualidade, que geralmente são aqueles que atingem de frente o povão.
Outra coisa que me incomoda, também, é que a maioria dos títulos tem a mesma cara, deixando tudo muito parecido... Gostaria muito que os quadrinhos americanos influenciassem a garotada da maneira que o mangá o faz hoje. Uma inversão de papéis, para meu gosto, seria bem mais interessante. Mas, como dizem, minha geração já passou, é hora de dar caminho para outras visões.
APE – Como sabemos, a "arte seqüencial" não é feita apenas de ilustrações (ou não deveria), o fato é que, em geral, as HQ´s carecem de bons roteiros e argumentos. Quais elementos, você julga, são fundamentais para uma boa história de HQ´s (Visto que cada área como literatura, cinema, teatro, tem a sua própria estrutura e método)?
Sendo muito sincero, nunca fui muito exigente com os roteiros da histórias que lia. Talvez, por ser tão apaixonado pela arte, era sempre ela que vinha em primeiro lugar. Tanto é que nunca consegui ler "grandes roteiros" com desenhos "mais ou menos". Sempre me diverti com os gibis, contato que a arte fosse legal. Acho que, de certa forma, isso até me fez ler coisas que outros leitores nunca leriam, que até pudessem gostar, mas nunca deram essa chance. Por isso, acho que nesse aspecto (arte) eu poderia opinar. Acho que todo desenhista, arte finalista, letrista e colorista devem possuir influências, mas nunca repetir uma fórmula. É necessário encontrar seu próprio caminho, algo nada fácil, mas uma vez encontrado, é o caminho da mina. Goya dizia pra sua filha, aspirante das artes: "Mesmo que seu trabalho seja uma porcaria, faça a SUA porcaria". Existem muitas histórias no mercado que seguem um "padrão", e uma vez que o leitor identifica esse padrão, sabe que aquilo é uma fórmula, e não tem alma nenhuma. É bonito ver que a pessoa sabe escrever, sabe a fórmula e a aplica com maestria, mas não é pessoal, não tem emoção. Siga seu próprio caminho.
APE – Quais fatores externos podem determinar se o(a) garoto(a), brasileiro(a), que sonha escrever e desenhar seus personagens favoritos irá realizar seu objetivo? Na sua perspectiva, os mercados estrangeiros podem se render ao talento, propriamente dito(já aconteceu com alguns de nossos artistas), ou é difícil superar o preconceito com artistas "tupiniquins" (em maior escala) ? Qual é a chance, em todo o caso, de criarmos um forte mercado alternativo ao americano tais como o europeu e o japonês?
Artistas como Ivan Reis provam que isso não existe. Ele é um dos astros principais da DC hoje e, inclusive, pode ESCOLHER o título que queria desenhar. Muita gente deve pensar: “Pôxa, mas é um caso isolado”! Sim, é um caso isolado, por que não há quase nenhum outro artista brasileiro que tenha se dedicado e aprendido a ser tão disciplinado e metódico como Ivan Reis, e é essa determinação que transformou o traço dele.
Se todos tivessem a mesma determinação e disciplina, teríamos mais brasileiros na situação do Ivan, um mestre que não deve nada aos gringos. Acho que a chance de haver um mercado independente ou alternativo brasileiro é muito pequena. Os fatores que influenciam para que isso aconteça são muitos, e o maior problema, ao meu ver, é a falta de interesse que o brasileiro tem pela leitura, e aqueles que gostam de ler, a falta de interesse pelos quadrinhos. É impossível crescer se só vendemos os títulos para os mesmos nerds de sempre (me inclua na lista).
APE – Falemos do futuro. Numa auto – análise de sua trajetória na indústria das HQ´s e fora dela, quais são suas perspectivas e objetivos? Em que sentido você pressente e planeja a evolução de sua arte?
Desisti de desenhar quadrinhos ha quatro anos atrás, pois, comecei a pintar e a me interessar por cor, algo que nunca havia feito. Cheguei a conclusão que a vida numa prancheta, tentando terminar, freneticamente, uma página por dia não era pra mim. Não tenho paciência, velocidade e os desenhos acabam ficando grotescos, quando isso acontece, não gosto do meu trabalho, e aí não vale mais a pena.
Depois de anos parado, achei o máximo poder fazer uma pintura numa tela, pois você pode se concentrar em somente um desenho durante dias, ou meses. Retomei meus estudos e atualmente continuo estudando para terminar minha graduação em Artes Plásticas. Estou montando um estúdio que funcionara, também, como escola de pintura figurativa. Tenho ainda me interessado pelo estudo e produção de materiais artísticos históricos, e procuro recriar os materiais usados na pintura européia da idade média. Basicamente, é isso! Estou envolvido com toda essa pesquisa histórica da pintura. Pra onde isso vai, eu realmente, não posso afirmar, mas tem sido um imenso prazer.
APE – Enfim, gostaria de agradecer por esta entrevista, desejando a melhor sorte, e pedindo seu comentário final aos visitantes da PANACÉIA ESSENCIAL, entre os quais muitos fãs de HQ´s e aspirantes a futuros profissionais da área.
Agradeço a Panacéia Essencial, continuarei a visitar para ler as matérias! Para os futuros profissionais: Não tentem somente ser a próxima estrela dos quadrinhos, desenhem unicamente pelo prazer de desenhar e vocês chegarão lá!
"Choose only one master.. Nature."(Rembrandt Van Rijn
Abraço a todos!!!
Alex Sunder
Nossa, que viagem no tempo... A Godless sempre vai ser algo que lembrarei com carinho, um projeto que nasceu de sonhos e amizades incríveis. Todo um universo que até hoje habita minha mente. Parabéns pela entrevista.
ResponderExcluirWilliam Shibuya
Acredito que o Alex ainda tinha muito coisa para fazer em Comics, muitas histórias para desenhar. Fico na torcida para que um dia ele retorne om um trabalho autoral de primeira.
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