Caros amigos de "A PANACÉIA ESSENCIAL" é com grande orgulho que voltamos com a "Panacéia das Entrevistas". As HQs fazem parte da minha vida desde pequeno, e através delas aprendi a leitura. A imagens levavam a compreensão da história e as palavras começavam a ser ensinadas aos poucos. Ao mesmo tempo desenvolvi o gosto por desenhar e nunca mais parei. Este interesse me levou a reparar e guardar os nomes daqueles que estavam na criação daquelas aventuras que me chamavam tanta atenção. Não pude seguir carreira por vários motivos, mas aprendi sobre a indústria, sobre as histórias e desenhos. Um dos artistas cujo trabalho me chamou atenção imediatamente e do qual passei a admirar muito foi MOZART COUTO!
Mozart Couto é uma referência para os desenhistas brasileiros. Uma metamorfose ambulante capaz de passar talentosamente por vários estilos de desenho sempre entregando grandes trabalhos. Quando ousei convida-lo para esta entrevista, não tinha tanta esperança assim que ele aceitasse, mas eis que aconteceu!
Portanto, convido a todos para através desta entrevista sabermos e aprendermos mais com este brilhante profissional das HQs. Desde que montei este blog, ele proporcionou várias alegrias e agora compartilho com vocês mais uma delas...
APE - Mozart, em minha primeira pergunta gostaria de propor que você nos relatasse sua trajetória desde os passos iniciais até precisamente o primeiro trabalho profissional. Esta retrospectiva é interessante para os que estão...eu nem diria em início de carreira, mas, em início de “sonho” de trabalhar com quadrinhos! Que estão por aí, em suas casas desenhando, ainda sem ter nenhum contato com profissionais e sem saber direito como transformar sonho em realidade. Como você saiu deste estágio para a realidade profissional?
Desde bem pequeno eu gostava de desenhar quadrinhos. Por volta dos 4 ou 6 anos, eu inventava as histórias, desenhava as sequências e pedia meu pai para escrever os textos nos balões. Com 16 anos eu queria ser quadrinista de qualquer jeito, então comecei a estudar diariamente. Tudo que eu via sobre técnica de quadrinhos, eu comprava e estudava.
Meu pai me acompanhava e comprava livros e revistas sobre o tema. Ele também era desenhista, músico, muito estudioso e foi meu professor. Mais ou menos nessa época enviei algumas páginas de uma hq que havia criado para a EBAL (Editora Brasil América, no Rio de Janeiro) eles me responderam dizendo que, no momento, não publicavam quadrinhos nacionais. Na verdade, eu não entendia nada disso e não imaginava que os editores preferiam trabalhar com quadrinhos vindos de fora, por vários motivos. Mas continuei praticando e estudando à sério, até que em 1979 comprei umas novas revistas de quadrinhos que eram publicadas por uma editora Paranaense, a GRAFIPAR, nelas li umas chamadas para que iniciantes e profissionais entrassem em contato para possível publicação de seus projetos de HQ.
Alguns quadrinistas que eu já conhecia o trabalho através de revistas de terror publicadas em São Paulo nos anos 70, estavam lá, e o Cláudio Seto era um deles Ele era o coordenador do grupo de quadrinhos da editora. O Seto gostou do meu trabalho e depois de recusar minha primeira HQ passou a publicar tudo o que eu fazia e enviava. Os leitores gostavam e escreviam elogiando.
Assim, fui adiante. Mas, se eu não tivesse me preparado antes, não teria um trabalho a nível de ser publicado quando a oportunidade apareceu. Então, eu acho que o estudo, a prática constante e a disciplina são a base de tudo. Depois a humildade de apresentar os trabalhos e receber bem as críticas.
APE – Qual conselho você daria para quem ainda é um principiante? Desmistificando a visão talvez glamorosa de desenhar personagens em quadrinhos, dar entrevistas, ser famoso e indo para a realidade do esforço, trabalho, cansaço, estudo, o que deve fazer um aspirante a desenhista de HQs? Um bom curso, ou melhor, alguns bons cursos? encontrar profissionais para receber críticas? Enfim, nos dê este panorama sob a perspectiva da sua experiência nesse caminho.
Eu diria tudo o que você colocou e mais: Estude muito. Pratique mais ainda. Fazer quadrinhos é algo muito, mas muito complexo! É divertido, mas é trabalho e dos pesados!
APE – Uma vez li numa entrevista Todd McFarlane aconselhar aos aspirantes para que nunca pedissem opinião para os seus desenhos para quem não fosse profissional da área. Na opinião dele, quem não desenha não tem como opinar e pode atrapalhar mais do que ajudar. Eu já conversei com vários garotos que, de fato, de tanto ouvirem de quem não desenha que são bons, ficam muito iludidos e quando encontram a crítica profissional ficam arrasados e desistem. Você teve alguma experiência semelhante? Alguém execrou seu trabalho no início da carreira? Se aconteceu, como você reagiu e se não, o que você aconselha para quem está passando por isto?
Não, não cheguei a ser criticado duramente, ou pelo menos, não entendi assim, mas nessa fase da Grafipar, o Seto sempre me corrigia. Às vezes eu achava que ele não gostava de nada que eu fazia, mas é porque ele estava muitos anos na minha frente e já tinha visto muitas coisas, então é difícil mesmo agradar um profissional mais adiantado. Ele sempre verá suas falhas de cara. Meu pai também pegava no meu pé direto. Sobre o que você citou do McFarlane, acho que ele tem toda a razão. É mais correto que o trabalho do iniciante (e até do profissional) seja visto e criticado por quem entende.
APE – Seu trabalho com editoras americanas e no mercado europeu faz parte do grande sonho de cada aspirante a desenhista das HQs, mas, na experiência real qual a diferença do sonho e a realidade profissional? Quais as maiores dificuldades de trabalhar com editoras estrangeiras? Aproveitando a questão poderíamos falar ainda das dificuldades do mercado nacional: Neste momento como está o mercado brasileiro, quais são as perspectivas para os roteiristas e desenhistas? Um desenhista pode viver apenas de seu trabalho com HQs (Muitos me perguntam isto) ou deve ter um leque maior de trabalho, visualizando um estudo e trabalho direcionado para outras mídias? Quais?
Eu penso que nesses mercados é necessário ter um nível de bom a alto de qualidade, mantendo a estabilidade e melhorando cada vez mais. Isso é muito importante. Seriedade nos prazos, profissionalismo, são outros fatores que contam muito. E o mais difícil: estar apto a atender as mudanças do mercado, conseguir adaptar-se às novas tendências.
Sinceramente, eu não sei como está o mercado de quadrinhos no Brasil principalmente porque eu não estou mais atuando tão ativamente como quadrinista. Eu vejo muitas coisas que são publicadas mas, parece-me que para um público seleto, com tiragens pequenas. Outras são feitas por lei de incentivo à Cultura de Estados e Municípios; Muita coisa independente, mas ainda acredito que não existe um mercado onde autores de quadrinhos possam viver só de quadrinhos publicados no Brasil. Infelizmente. Tomara que eu esteja bem desinformado. Por outro lado, vejo muitos debates sobre quadrinhos e espero que novas ideias e uma estrutura para produção possa ser formada a partir disso.
APE – Dentro dessa linha de raciocínio falemos das HQs também lá fora. Como você analisa o atual momento não do ponto de vista de mercado, mas artístico? Você é um profissional, mas também é um leitor. Quais desenhistas e roteiristas você destaca neste momento? E já que estamos falando de criação artística, gostaria que você nos contasse quais foram suas principais influências nas HQs e dos encontros com outros profissionais o que você tirou de aprendizado no desenvolvimento do seu estilo. Esse tipo de influência ainda acontece?
As novas tecnologias trouxeram muitos benefícios para os artistas em geral. Mas ajudam a esconder muito despreparo também. Ainda continuam aparecendo grandes artistas, entretanto, olhando bem calmamente o trabalho de muitos outros, o que parece muito bom é apenas um espetáculo impressionante de detalhes, de preciosismos desnecessários.
Quanto a textos, embora cada vez mais bem feitos e elaborados tecnicamente ( eu estou falando de quadrinhos em geral, e não de Comics, tá? Eu sempre falo de quadrinhos englobando Américas, EUA, Europa, Japão e Coréia) ainda continuo preferindo pouca coisa e, geralmente mais antigas, tipo “Ken Parker”; A obra de Hugo Pratt; Alvar Mayor ( eu gosto muito da HQ Sul Americana, que é tão desconhecida no Brasil ); 100 Balas; Mas tem mais, muito mais, fica até difícil de citar. Eu leio pouco quadrinhos atualmente. Sempre gostei mais de VER quadrinhos. Por isso, os delírios de Moebius, sem textos, sempre me atraíram tanto. Quando não gosto do que estou vendo, não leio.
Quanto às minhas influências, primeiro, claro, foram quadrinhos americanos, que era o que eu conseguia adquirir numa cidade do interior nos anos 60! E alguma coisa publicada no Brasil, por artistas nacionais, nos anos 70 já me atraía. Depois, com o tempo, fui tendo mais acesso a outras publicações e vieram influências de autores Europeus e até Japoneses. Mas as primeiras influências acabaram marcando mais, Não porque eu prefira, mas porque foram as primeiras e sob as quais me detive mais tempo estudando e “fazendo parecido”.
Sobre o contato com outros artistas, sempre mantive contato com muitos colegas profissionais e isso me ajudou demais. Trocamos muitas dicas e a evolução de um sempre estimula a do outro. Na época da GRAFIPAR e D'ARTE isso foi mais constante. Atualmente, como eu e os antigos colegas estamos envolvidos em áreas diferentes, essas trocas não tem mais acontecido. O que é uma pena.
APE - A sua trajetória de trabalhos é bastante rica. Com vários temas. Histórias de gêneros variados. Esta versatilidade foi uma consequência do mercado quando não podemos escolher o que fazer, e temos que pagar as contas ou muitas opções foram de cunho pessoal? Esta capacidade parece ter sido útil, pois, falando sobre esta habilidade de se transmutar, gostaria que nos contasse também sobre a sua produção com livros didáticos e para-didáticos, e ainda a adaptação de livros e temas espíritas. Como controlar o lápis em tantos estilos e traços diferentes? O artista tem que se transformar em um tipo de Fernando Pessoa dos desenhos?
As duas coisas estão presentes: a necessidade de se adaptar para sobreviver e uma certa inquietação que tenho, uma vontade de aprender, de descobrir coisas novas. Isso é bom porque a gente aprende a abrir mão de alguns desejos e tem que “pisar no chão” e aprender a fazer coisas que, antes, pareciam sem graça e desagradáveis. A gente aprende a gostar de coisas diferentes, cresce, fica mais aberto.
Antes, eu pensava que só sabia e conseguia fazer HQ, hoje eu sei que posso fazer muitas coisas, mas o que mais gosto é de ler um livro e ilustrá-lo. Esse é, sem dúvida, um trabalho muito gratificante. Ainda mais quando se tem liberdade de inovar um pouco. Recentemente, ilustrei um Livro escrito pelo Júlio E. Braz ( “Em Festa de Canibal, Pizza não é legal”. Ed. Imperial Livros- Novo Milênio), meu parceiro de muitos anos, onde experimentamos uma certa mistura de ilustração convencional e quadrinização. O resultado foi muito bom, a meu ver.
Quanto a temas religiosos, também gosto de fazer porque é necessário mostrar imagens mais leves, trabalhar expressões de suavidade, enfim, um novo exercício, bem diferente do sensual, violento e dramático quadrinho comercial e das ilustrações técnicas( sem emoções) de alguns tipos de livros didáticos. São ganhos. Muitos.
APE – Qual foi para você o ápice da sua carreira? Aquele trabalho que devolveu a você a sensação de “Nossa, isto é muito bom, estou no auge, no momento que sonhei toda a minha vida!”? Houve um trabalho como esse retorno, ou alguns neste nível? Quais? Ou, pelo contrário, apesar de tantos trabalhos e prêmios, você ainda não percebeu ter atingido este momento? Ainda existem desafios que o instigam, novos traços, novos personagens, roteiros e possibilidades que o atraem para novos saltos na carreira? Enfim, a questão é após tanto tempo, tanto trabalho e conquista profissional, o mundo das HQs ainda é capaz desafiar o artista Mozart Couto?
O meu melhor trabalho é sempre o que estou fazendo no momento até olhá-lo uma semana depois de ter terminado e achá-lo uma porcaria(rs). Atualmente estou numa grande crise que espero dê bons frutos! Eu não gosto e não quero continuar repetindo as coisas que já fiz, do modo como fiz, mas ainda não consegui descobrir algo novo que me agrade e que não seja uma “variação de algum tema” já existente, que é o que a maioria faz e nem sei se percebe. Conseguir algo assim, e que seja acessível e agrade as leitores, é meu maior desafio atualmente, seja nos quadrinhos, ilustrações ou qualquer outra coisa que venha a fazer.
APE - Enfim, caro Mozart, gostaria de agradecer imensamente pela oportunidade desta entrevista. No que me cabe, fico muito honrado por ter aceitado o convite já que sou um grande fã do seu trabalho que acompanho há muito tempo. Gostaria de pedir então, que você deixasse uma mensagem aos visitantes da Panacéia Essencial!
Eu gostei muito da entrevista. Achei as perguntas muito boas e inteligentes! Agradeço e espero ter contribuído. Eu sempre gosto de lembrar que o talento nato é a base de tudo. Não adianta gostar e querer muito ser um quadrinista, um ilustrador, ou design; Usar máquinas, ferramentas e programas sofisticados, etc. A pessoa tem que ter esse mistério que é o talento. Depois ela tem que encontrar onde esse talento se manifesta melhor. Então, é preciso estar aberto a mudanças.
É preciso experimentar, mas, acima de tudo, é preciso ser você mesmo. Apesar das influências existirem sempre, elas nunca podem ser tão fortes a ponto de não permitir que reconheçam quem é aquele que fez aquela imagem ou aquele texto, etc. E saber aceitar que as coisas mudam com o tempo e que descer do palco e sair dos holofotes não significa, absolutamente, perder essa magia que é o talento e a criatividade.
http://blogdodesenhador.blogspot.com
Desde bem pequeno eu gostava de desenhar quadrinhos. Por volta dos 4 ou 6 anos, eu inventava as histórias, desenhava as sequências e pedia meu pai para escrever os textos nos balões. Com 16 anos eu queria ser quadrinista de qualquer jeito, então comecei a estudar diariamente. Tudo que eu via sobre técnica de quadrinhos, eu comprava e estudava.
Meu pai me acompanhava e comprava livros e revistas sobre o tema. Ele também era desenhista, músico, muito estudioso e foi meu professor. Mais ou menos nessa época enviei algumas páginas de uma hq que havia criado para a EBAL (Editora Brasil América, no Rio de Janeiro) eles me responderam dizendo que, no momento, não publicavam quadrinhos nacionais. Na verdade, eu não entendia nada disso e não imaginava que os editores preferiam trabalhar com quadrinhos vindos de fora, por vários motivos. Mas continuei praticando e estudando à sério, até que em 1979 comprei umas novas revistas de quadrinhos que eram publicadas por uma editora Paranaense, a GRAFIPAR, nelas li umas chamadas para que iniciantes e profissionais entrassem em contato para possível publicação de seus projetos de HQ.
Alguns quadrinistas que eu já conhecia o trabalho através de revistas de terror publicadas em São Paulo nos anos 70, estavam lá, e o Cláudio Seto era um deles Ele era o coordenador do grupo de quadrinhos da editora. O Seto gostou do meu trabalho e depois de recusar minha primeira HQ passou a publicar tudo o que eu fazia e enviava. Os leitores gostavam e escreviam elogiando.
Assim, fui adiante. Mas, se eu não tivesse me preparado antes, não teria um trabalho a nível de ser publicado quando a oportunidade apareceu. Então, eu acho que o estudo, a prática constante e a disciplina são a base de tudo. Depois a humildade de apresentar os trabalhos e receber bem as críticas.
APE – Qual conselho você daria para quem ainda é um principiante? Desmistificando a visão talvez glamorosa de desenhar personagens em quadrinhos, dar entrevistas, ser famoso e indo para a realidade do esforço, trabalho, cansaço, estudo, o que deve fazer um aspirante a desenhista de HQs? Um bom curso, ou melhor, alguns bons cursos? encontrar profissionais para receber críticas? Enfim, nos dê este panorama sob a perspectiva da sua experiência nesse caminho.
Eu diria tudo o que você colocou e mais: Estude muito. Pratique mais ainda. Fazer quadrinhos é algo muito, mas muito complexo! É divertido, mas é trabalho e dos pesados!
APE – Uma vez li numa entrevista Todd McFarlane aconselhar aos aspirantes para que nunca pedissem opinião para os seus desenhos para quem não fosse profissional da área. Na opinião dele, quem não desenha não tem como opinar e pode atrapalhar mais do que ajudar. Eu já conversei com vários garotos que, de fato, de tanto ouvirem de quem não desenha que são bons, ficam muito iludidos e quando encontram a crítica profissional ficam arrasados e desistem. Você teve alguma experiência semelhante? Alguém execrou seu trabalho no início da carreira? Se aconteceu, como você reagiu e se não, o que você aconselha para quem está passando por isto?
Não, não cheguei a ser criticado duramente, ou pelo menos, não entendi assim, mas nessa fase da Grafipar, o Seto sempre me corrigia. Às vezes eu achava que ele não gostava de nada que eu fazia, mas é porque ele estava muitos anos na minha frente e já tinha visto muitas coisas, então é difícil mesmo agradar um profissional mais adiantado. Ele sempre verá suas falhas de cara. Meu pai também pegava no meu pé direto. Sobre o que você citou do McFarlane, acho que ele tem toda a razão. É mais correto que o trabalho do iniciante (e até do profissional) seja visto e criticado por quem entende.
APE – Seu trabalho com editoras americanas e no mercado europeu faz parte do grande sonho de cada aspirante a desenhista das HQs, mas, na experiência real qual a diferença do sonho e a realidade profissional? Quais as maiores dificuldades de trabalhar com editoras estrangeiras? Aproveitando a questão poderíamos falar ainda das dificuldades do mercado nacional: Neste momento como está o mercado brasileiro, quais são as perspectivas para os roteiristas e desenhistas? Um desenhista pode viver apenas de seu trabalho com HQs (Muitos me perguntam isto) ou deve ter um leque maior de trabalho, visualizando um estudo e trabalho direcionado para outras mídias? Quais?
Eu penso que nesses mercados é necessário ter um nível de bom a alto de qualidade, mantendo a estabilidade e melhorando cada vez mais. Isso é muito importante. Seriedade nos prazos, profissionalismo, são outros fatores que contam muito. E o mais difícil: estar apto a atender as mudanças do mercado, conseguir adaptar-se às novas tendências.
Sinceramente, eu não sei como está o mercado de quadrinhos no Brasil principalmente porque eu não estou mais atuando tão ativamente como quadrinista. Eu vejo muitas coisas que são publicadas mas, parece-me que para um público seleto, com tiragens pequenas. Outras são feitas por lei de incentivo à Cultura de Estados e Municípios; Muita coisa independente, mas ainda acredito que não existe um mercado onde autores de quadrinhos possam viver só de quadrinhos publicados no Brasil. Infelizmente. Tomara que eu esteja bem desinformado. Por outro lado, vejo muitos debates sobre quadrinhos e espero que novas ideias e uma estrutura para produção possa ser formada a partir disso.
APE – Dentro dessa linha de raciocínio falemos das HQs também lá fora. Como você analisa o atual momento não do ponto de vista de mercado, mas artístico? Você é um profissional, mas também é um leitor. Quais desenhistas e roteiristas você destaca neste momento? E já que estamos falando de criação artística, gostaria que você nos contasse quais foram suas principais influências nas HQs e dos encontros com outros profissionais o que você tirou de aprendizado no desenvolvimento do seu estilo. Esse tipo de influência ainda acontece?
As novas tecnologias trouxeram muitos benefícios para os artistas em geral. Mas ajudam a esconder muito despreparo também. Ainda continuam aparecendo grandes artistas, entretanto, olhando bem calmamente o trabalho de muitos outros, o que parece muito bom é apenas um espetáculo impressionante de detalhes, de preciosismos desnecessários.
Quanto a textos, embora cada vez mais bem feitos e elaborados tecnicamente ( eu estou falando de quadrinhos em geral, e não de Comics, tá? Eu sempre falo de quadrinhos englobando Américas, EUA, Europa, Japão e Coréia) ainda continuo preferindo pouca coisa e, geralmente mais antigas, tipo “Ken Parker”; A obra de Hugo Pratt; Alvar Mayor ( eu gosto muito da HQ Sul Americana, que é tão desconhecida no Brasil ); 100 Balas; Mas tem mais, muito mais, fica até difícil de citar. Eu leio pouco quadrinhos atualmente. Sempre gostei mais de VER quadrinhos. Por isso, os delírios de Moebius, sem textos, sempre me atraíram tanto. Quando não gosto do que estou vendo, não leio.
Quanto às minhas influências, primeiro, claro, foram quadrinhos americanos, que era o que eu conseguia adquirir numa cidade do interior nos anos 60! E alguma coisa publicada no Brasil, por artistas nacionais, nos anos 70 já me atraía. Depois, com o tempo, fui tendo mais acesso a outras publicações e vieram influências de autores Europeus e até Japoneses. Mas as primeiras influências acabaram marcando mais, Não porque eu prefira, mas porque foram as primeiras e sob as quais me detive mais tempo estudando e “fazendo parecido”.
Sobre o contato com outros artistas, sempre mantive contato com muitos colegas profissionais e isso me ajudou demais. Trocamos muitas dicas e a evolução de um sempre estimula a do outro. Na época da GRAFIPAR e D'ARTE isso foi mais constante. Atualmente, como eu e os antigos colegas estamos envolvidos em áreas diferentes, essas trocas não tem mais acontecido. O que é uma pena.
APE - A sua trajetória de trabalhos é bastante rica. Com vários temas. Histórias de gêneros variados. Esta versatilidade foi uma consequência do mercado quando não podemos escolher o que fazer, e temos que pagar as contas ou muitas opções foram de cunho pessoal? Esta capacidade parece ter sido útil, pois, falando sobre esta habilidade de se transmutar, gostaria que nos contasse também sobre a sua produção com livros didáticos e para-didáticos, e ainda a adaptação de livros e temas espíritas. Como controlar o lápis em tantos estilos e traços diferentes? O artista tem que se transformar em um tipo de Fernando Pessoa dos desenhos?
As duas coisas estão presentes: a necessidade de se adaptar para sobreviver e uma certa inquietação que tenho, uma vontade de aprender, de descobrir coisas novas. Isso é bom porque a gente aprende a abrir mão de alguns desejos e tem que “pisar no chão” e aprender a fazer coisas que, antes, pareciam sem graça e desagradáveis. A gente aprende a gostar de coisas diferentes, cresce, fica mais aberto.
Antes, eu pensava que só sabia e conseguia fazer HQ, hoje eu sei que posso fazer muitas coisas, mas o que mais gosto é de ler um livro e ilustrá-lo. Esse é, sem dúvida, um trabalho muito gratificante. Ainda mais quando se tem liberdade de inovar um pouco. Recentemente, ilustrei um Livro escrito pelo Júlio E. Braz ( “Em Festa de Canibal, Pizza não é legal”. Ed. Imperial Livros- Novo Milênio), meu parceiro de muitos anos, onde experimentamos uma certa mistura de ilustração convencional e quadrinização. O resultado foi muito bom, a meu ver.
Quanto a temas religiosos, também gosto de fazer porque é necessário mostrar imagens mais leves, trabalhar expressões de suavidade, enfim, um novo exercício, bem diferente do sensual, violento e dramático quadrinho comercial e das ilustrações técnicas( sem emoções) de alguns tipos de livros didáticos. São ganhos. Muitos.
APE – Qual foi para você o ápice da sua carreira? Aquele trabalho que devolveu a você a sensação de “Nossa, isto é muito bom, estou no auge, no momento que sonhei toda a minha vida!”? Houve um trabalho como esse retorno, ou alguns neste nível? Quais? Ou, pelo contrário, apesar de tantos trabalhos e prêmios, você ainda não percebeu ter atingido este momento? Ainda existem desafios que o instigam, novos traços, novos personagens, roteiros e possibilidades que o atraem para novos saltos na carreira? Enfim, a questão é após tanto tempo, tanto trabalho e conquista profissional, o mundo das HQs ainda é capaz desafiar o artista Mozart Couto?
O meu melhor trabalho é sempre o que estou fazendo no momento até olhá-lo uma semana depois de ter terminado e achá-lo uma porcaria(rs). Atualmente estou numa grande crise que espero dê bons frutos! Eu não gosto e não quero continuar repetindo as coisas que já fiz, do modo como fiz, mas ainda não consegui descobrir algo novo que me agrade e que não seja uma “variação de algum tema” já existente, que é o que a maioria faz e nem sei se percebe. Conseguir algo assim, e que seja acessível e agrade as leitores, é meu maior desafio atualmente, seja nos quadrinhos, ilustrações ou qualquer outra coisa que venha a fazer.
APE - Enfim, caro Mozart, gostaria de agradecer imensamente pela oportunidade desta entrevista. No que me cabe, fico muito honrado por ter aceitado o convite já que sou um grande fã do seu trabalho que acompanho há muito tempo. Gostaria de pedir então, que você deixasse uma mensagem aos visitantes da Panacéia Essencial!
Eu gostei muito da entrevista. Achei as perguntas muito boas e inteligentes! Agradeço e espero ter contribuído. Eu sempre gosto de lembrar que o talento nato é a base de tudo. Não adianta gostar e querer muito ser um quadrinista, um ilustrador, ou design; Usar máquinas, ferramentas e programas sofisticados, etc. A pessoa tem que ter esse mistério que é o talento. Depois ela tem que encontrar onde esse talento se manifesta melhor. Então, é preciso estar aberto a mudanças.
É preciso experimentar, mas, acima de tudo, é preciso ser você mesmo. Apesar das influências existirem sempre, elas nunca podem ser tão fortes a ponto de não permitir que reconheçam quem é aquele que fez aquela imagem ou aquele texto, etc. E saber aceitar que as coisas mudam com o tempo e que descer do palco e sair dos holofotes não significa, absolutamente, perder essa magia que é o talento e a criatividade.
CONHEÇA MAIS SOBRE A ARTE DE MOZART COUTO!
http://blogdodesenhador.blogspot.com
http://mozartcouto.daportfolio.com/
www.mozartcouto.com.br
http://www.mozartcouto.deviantart.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário