O homem jamais foi capaz de aceitar seu próprio fim, a morte. Nossos ancestrais, no decorrer dos séculos, criaram religiões que prometiam o prolongamento desta vida em outros mundos, outros tempos, mas para muitos isso não foi suficiente. Sonhavam com uma imortalidade mais concreta, uma continuação de sua própria vida física pessoal aqui e agora. Alguns foram além dos sonhos melancólicos, e buscaram ativamente meios e modos de realizar a imortalidade física.
As antigas buscas da imortalidade eram fundamentadas em mitos e centravam-se na busca de poções mágicas ou místicos regimes de vida. O sexo era tema importante e recorrente nessas buscas primitivas. Muitos povos acreditavam na gerocomia, a idéia de que o homem pode rejuvenescer por meio do contato com mulheres – especialmente com as jovens. Nos tempos bíblicos, era comum a idéia de que até o “hálito” ou o “calor” de uma jovem poderia restituir a juventude a um homem envelhecido. O rei Davi, em seu declínio, recebeu a bela Abishag, para que dormisse com ela. Mas o tratamento falhou: Abishag “cuidava do rei e o servia, porém o rei não a conheceu”.
Prevalecia também a opinião de que o sangue possuía poderes rejuvenescedores miraculosos. Os antigos sírios banhavam-se e bebiam o sangue dos jovens, e os romanos bebiam o sangue derramado pelos gladiadores na arena. Séculos mais tarde, essa idéia tornou a emergir, na utilização das transfusões de sangue, no vão esforço de recapturar a juventude. Em 1492, o papa Inocêncio VIII, ao procurar uma forma de imortalidade, encontrou a morte: mandou transfundir o sangue de três jovens para suas veias. (Mais de quatro séculos decorreriam antes que se percebesse que a incompatibilidade das proteínas sangüíneas é responsável pelos efeitos, não raro fatais, das transfusões de sangue).
Na China, os seguidores do taoísmo observavam um amplo programa cuja finalidade era prolongar a vida e oferecer finalmente a imortalidade aos seus dedicados adeptos, Os antigos taoístas praticavam uma série de exercícios de parada respiratória, destinados a levá-los de volta a uma existência semelhante à embrionária. Praticavam abstinência e subsistiam só de raízes e frutas. Seguiam ritos sexuais, segundo técnicas cuidadosamente prescritas, que eram parte importante do programa. Os alquimistas chineses buscavam meios de transformar o cinabre mineral em ouro. Se conseguissem, utilizariam o nobre metal na preparação de utensílios destinados à comida e à bebida, que haviam de conferir imortalidade a quem os usasse.
Outro tema comum, na Antiguidade, era o da fonte da juventude, das águas mágicas que dariam imortalidade a quem nelas se banhasse. A Bíblia menciona um rio que fluía no Éden e, no salmo 23, uma "fonte da vida". Os mitos gregos falam de uma nascente mágica, prodigalizadora de juventude, na qual Zeus e Hera se banhavam todos os anos. Persistia a idéia de uma fonte da juventude. Ela foi popularizada pelo escritor medieval Jean de Mandeville e, durante a fermentação de idéias e descobertas da Renascença, muita gente acreditou que tal fonte realmente existisse em algum lugar, no além-mar. Ponce de León, ao ouvir as histórias sobre uma mágica fonte da juventude que ficava nas ilhas Bimini, nas Bahamas, encheu-se de entusiasmo. Partiu de Porto Rico em 1512, à frente de uma expedição à procura de Bimini e da mágica fonte. Jamais encontrou as ilusórias águas, mas descobriu as terras onde hoje se encontra o Estado da Flórida.
Enquanto alguns buscavam a imortalidade através de mitos, em viagens por terras distantes, outros procuravam a juventude e a longa vida mais perto de suas casas. Paracelso, alquimista e médico suíço do século XVI, garantia ter encontrado o elixir da vida – mas morreu numa briga de bêbados, aos 48 anos. Um contemporâneo seu, o italiano Luigi Coroaro, tinha ambições mais modestas: queria apenas viver: uma vida longa e venturosa. Sublinhava a necessidade de manter uma dieta moderada e evitar extremos de temperatura, fadiga e emoções. Seu próprio exemplo era excelente anúncio de teorias de longevidade. Permaneceu ativo, alegre e produtivo até morrer, aos 98 anos.
Todavia, a autodisciplina preconizada por Coroaro oferecia muito menos atrativo às massas que a teoria da poção miraculosa ou de um tratamento de ação imediata que não exigisse tanto trabalho. Com o florescimento da revolução industrial e científica, desapareceu a confiança na magia e no mito. Os homens, tanto em sua busca de imortalidade quanto em outras áreas da vida, procuravam respostas que lhes apresentassem um fundamento científico plausível.
No dia 1º de junho de 1889, os membros da Sociedade Francesa de Biologia assistiram a uma conferência insólita. O conferencista era Charles-Édouard Brown-Séquard, professor de fisiologia. Suas credenciais científicas eram impecáveis: aos 72 anos, tornou-se alvo do respeito internacional, por ter publicado mais de quinhentos trabalhos científicos e ensinado em sua cátedra de medicina experimental, no posto anteriormente ocupado pelo famoso Claude Bernard.
Brown-Séquard vinha há anos observando sinais de decadência em seu próprio corpo. Especializado em fisiologia, fora capaz de medir e traçar graficamente o declínio inexorável da própria força muscular, tendo notado também outros sintomas de envelhecimento, tais como insônia e impotência sexual. Alguns de seus experimentos fisiológicos com aquilo que hoje se conhece como glândulas endócrinas e suas secreções, sugeriram-lhe um método que possivelmente provocaria uma reversão no declínio da idade. Vinha então a revelação espantosa. Brown-Séquard preparava extratos salinos com os testículos de cães e porquinhos-da-índia, injetando-os em si mesmo. Os efeitos, segundo relatou, foram impressionantes. Não só se sentiu novamente jovem, como pôde até “fazer unIa visita” a sua jovem esposa.
O efeito de tal revelação aos membros da Sociedade Francesa de Biologia, todos eles com mais de setenta anos, foi eletrizante. A imprensa popular encampou alegremente essa intrigante e divertida história, mas a comunidade científica tratou com escárnio o relatório de Brown-Séquard, sugerindo que era melhor considerá-lo uma “aberração senil”. Tentativas de repetir as descobertas do fisiologista francês, mesmo as feitas pelo próprio Brown-Séquard, foram infrutíferas. Ele acabou por deixar Paris e desistiu de publicar trabalhos científicos. Sua jovem esposa abandonou-o. Cinco anos depois da fatídica reunião da Sociedade de Biologia, Brown-Séquard morria de derrame, sendo motivo de riso da comunidade científica.
A idéia de utilizar hormônios sexuais na busca do rejuvenescimento não era, por si mesma, ilógica e provou subseqüentemente ter valor definitivo, ainda que limitado. Mas no tempo de Brown-Séquard a endocrinologia estava na infância. Por falta de conhecimentos, ele cometeu um erro técnico crucial. Os hormônios sexuais são esteróides, ou substâncias semelhantes à gordura, insolúveis em água salgada – portanto, os extratos salinos de testículos, feitos por Brown-Séquard, estavam totalmente isentos de ingredientes ativos. Os resultados iniciais positivos, que ele jamais conseguiu repetir, foram devidos, sem dúvida, ao efeito do placebo: ao benefício psicológico que um tratamento inócuo pode produzir, no caso de o paciente ou sujeito acreditar na capacidade de ele ser benéfico.
Brown-Séquard não exauriu as possibilidades dos testículos na busca da juventude perdida. Emergiu na década de 1920 uma figura ainda mais controvertida que ele, a qual concentrou a atenção dos pesquisadores e do público: era Serge Voronov, russo emigrado para a França. Antes da Primeira Guerra Mundial, fora médico do quediva do Egito. Ao observar os eunucos da guarda real do serralho, reparou que os castrados envelhecem mais depressa que os homens normais. Teorizou que a falha era a falta de testosterona e que o transplante de testículos poderia rejuvenescer homens envelhecidos. Mas, acreditava ele, seria um erro utilizar testículos de espécies dessemelhantes, tais como de cães e porquinhos-da-índia, como fizera Brown-Séquard. Voronov tentou antes obter testículos humanos, a fim de utilizá-los em transplantes, mas naqueles tempos havia leis que proibiam cortar pedaços de cadáveres. Tentou obter os testículos de criminosos presos, mas esbarrou em dificuldades insuperáveis. Publicou enfim anúncios pedindo voluntários, mas os dois únicos que se apresentaram tinham idéias tão enfatuadas quanto ao valor dos próprios órgãos sexuais, que Voronov, desanimado, desistiu. Conformou-se, afinal, em utilizar testículos de chimpanzés e macacos, os quais, embora não-humanos, eram pelo menos primatas e mais próximos de terem compatibilidade com o homem que os demais animais de experiência.
Voronov aperfeiçoou suas técnicas cirúrgicas nas práticas com transplantes animais e, em 1919, anunciou com estardalhaço seus resultados em Paris, no XXVIII Congresso Cirúrgico. Os jornalistas foram convidados a examinar diversos carneiros e um touro que haviam sido “rejuvenescidos” por meio de transplantes de testículos de animais jovens. Histórias sobre tratamentos por meio de “glândulas de macaco” inundaram os meios de comunicação. Como um rebanho, velhos cheios de esperanças dirigiam-se ao médico, a fim de se submeterem a operações, a cinco mil dólares ou mais o enxerto. Acumularam-se atestados de gratidão. Todavia, também estes deviam Ser devidos ao efeito do placebo. Os trabalhos extensivos dos anos recentes, sobre transplantes de órgãos, indicam que, não sendo feitos tratamentos especiais para supressão de imunidade, os órgãos transplantados têm geralmente vida curta no corpo que os hospeda. São logo rejeitados, murcham e morrem. Portanto, o aumento de testosterona resultante da operação de Voronov deve ter sido transitório. Serge Voronov morreu aos 85 anos de idade. Seus tratamentos por meio de “glândulas de macaco” já haviam caído em desuso e desgraça.
Enquanto isso, e por caminhos diversos, outros procuravam também a longevidade. Elie Metchmikov, outro russo emigrado para a França, possuía credenciais científicas ainda mais distintas que as de Voronov. Ganhara o prêmio Nobel em 1908, pela descoberta dos fagócitos – élulas brancas do sangue que defendem o corpo contra germes invasores. Os estudos de Metchnikov levaram-no a crer que a raiz do problema do envelhecimento estava no intestino grosso, repositório de toda sorte de bactérias e substâncias nocivas. O laureado com o prêmio Nobel propôs duas maneiras de eliminar o problema: remover cirurgicamente o colo ou alterar seu conteúdo de tal modo que as bactérias nocivas ficassem inibidas.
A abordagem cirúrgica não teve grande êxito popular, portanto Metchnikov procurou medidas menos drásticas. Primeiro colocou ênfase numa dieta só de coisas cozidas e leite azedo. Mais tarde apregoou os benefícios do iogurte, produto de leite azedo, popular entre os camponeses búlgaros, notáveis por sua longevidade. A chave, dizia Metchnikov, estava nos lactobacilos do iogurte; eram bactérias benéficas que, presumivelmente, colonizariam o intestino grosso e tornariam o ambiente ácido demais para as bactérias produzidas pelas toxinas, que não sobreviveriam.
Relatórios sobre o trabalho de Metchnikov acenderam a faísca da loucura pelo iogurte, que perdura até hoje. As subseqüentes pesquisas, todavia, não sustentaram a validade das idéias de Metchnikov sobre o processo de envelhecimento. As pessoas que, devido ao câncer, foram submetidas à extração do colo, não tiveram aumentado seu tempo de vida. O próprio Elie Metchnikov, depois de encher os intestinos de lactobacilos durante dezoito anos, morreu de uma doença cardíaca congestiva em 1916, aos 71 anos.
CONTINUA..
Nenhum comentário:
Postar um comentário