A superfluidez decorre de
regras contra intuitivas da mecânica quântica. E, ao contrário de outros
fenômenos quânticos, o comportamento estranho do hélio superfluido é visível a
olho nu.
Se você resfriar hélio
líquido, por exemplo, a alguns graus abaixo do seu ponto de ebulição, de –269º
C, ele bruscamente assume características diferentes de outros fluidos, como
escorrer por micro rachaduras da espessura de moléculas, escalar as bordas de
um recipiente até transbordar e permanecer imóvel enquanto o recipiente gira.
O hélio neste estado deixa
de ser um simples líquido e se transforma em um superfluido – um líquido que
flui sem atrito. “Se girarmos uma xícara até que o líquido nela contido passe a
girar, você verá que alguns minutos depois, ele parou de se mover”, explica
John Beamish, físico experimental da University of Alberta, em Edmonton,
Canadá. Os átomos do líquido colidem uns com os outros e se desaceleraram, “mas
se isso for feito com hélio a baixas temperaturas, um milhão de anos mais tarde
ele ainda estará se movendo”.
As primeiras evidências
desse comportamento do hélio foram observadas em 1911 pelo físico holandês,
Heike Kamerlingh Onnes, premio Nobel de física em 1913 e um mestre da
refrigeração. Ele foi o primeiro a liquefazer o hélio. Onnes descobriu que esse
elemento passa a ser um bom condutor de calor abaixo de –270,92º C, temperatura
também conhecida como o ponto lambda.,Somente em 1938 o físico russo Pyotr
Kapitsa e, de forma independente, os britânicos John Allen e Don Misener,
mediram a velocidade do fluxo de hélio abaixo dessa temperatura usando dois
discos de vidro adaptados a um tubo de sucção e a um tubo fino de vidro. A
viscosidade observada foi tão baixa que Kapitsa, vencedor do prêmio Nobel em
1978 por esse trabalho, o batizou de “superfluido” – inspirado em
“supercondutor”, o termo para um material bom condutor de corrente elétrica com
baixa resistência.
Esse
efeito se baseia na capacidade única do hélio de permanecer líquido até o zero
absoluto (–273,15º C), a temperatura em que os átomos, em princípio, se
imobilizam.
Quando a maioria dos
líquidos é resfriada, a pequena atração entre os átomos no fluido finalmente
supera as vibrações térmicas e as partículas se acomodam num padrão regular, ou
seja, um sólido. Entretanto, os átomos de hélio são tão leves e fracamente
atraídos por outros que, mesmo quando os movimentos atômicos comuns cessam, os
átomos vibram com o movimento do ponto zero, um leve momentum imposto pelo
princípio da incerteza da mecânica quântica; por isso, eles nunca formam um
sólido.
O fato de o hélio
continuar no estado líquido a baixas temperaturas o permite realizar uma
transformação chamada condensação de Bose-Einstein, na qual as partículas
individuais se agregam até exibirem um comportamento coletivo como uma única
partícula. Átomos que se comportem como um condensado de Bose-Einstein perdem
suas características individuais.
Normalmente o hélio
superfluido é considerado como uma mistura de dois fluidos, um comum e um
superfluido. Experimentos diferentes evidenciam as características
contrastantes dos dois componentes. O experimento mais simples é observar um
recipiente cheio de hélio líquido começar a transbordar enquanto o hélio é
resfriado a temperaturas abaixo do ponto lambda. A componente superfluida
começa a escorrer pelas frestas microscópicas onde a componente líquida normal
não pode penetrar, gerando os supervazamentos.,À medida que a temperatura
diminui, a componente superfluida começa a ter maior participação na mistura.
Pesquisadores mediram a proporção entre as duas componentes inserindo uma
amostra em um recipiente metálico suspenso por um fio. Ao girar o fio, o
cilindro começa a rodar em um sentido e depois no outro. Mas apenas a
componente normal gira junto com o cilindro, devido ao atrito entre ela e as
paredes do cilindro. A componente superfluida resiste ao movimento do fluido
normal e permanece imóvel. À medida que a porção superfluida aumenta, o
cilindro gira mais rápido, como se estivesse perdendo peso, ou inércia.
A natureza dupla do hélio
superfluido pode ser observada também quando escala as paredes de um
recipiente. Um líquido comum é limitado pelas paredes do recipiente que o
contem, graças à pequena atração entre os átomos, mas o atrito interno do
líquido define até onde o líquido pode se espalhar. No hélio superfluido, a
película – na qual não há atrito – recobre o recipiente inteiro, delimitando um
volume onde o superfluido pode escoar.
Fonte:
Scientific American Brasil
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