Você, homem preocupado e incorrigível,
Cujas palavras parecem ser verdadeiras e não são,
Cuja boca é como o sol que raia sobre o reino,
Mas em cuja ação, encontramos apenas escuridão.
Você, homem falador e pueril, tão pronto para falar que
Tudo o que vem à cabeça é logo posto em palavras,
Mas você jamais praticou o que diz;
E quando age, pratica muitas maldades.
Você, com muitos sonhos e projetos,
Que sem ter iniciado uma tarefa, parte para a segunda;
Que quando é conceituado, quer ainda mais fama;
Quando é humilde, quer ser conceituado.
Você, homem medíocre, à mercê de prazeres e dores,
Que palavras ou louvores enchem de vaidade;
Que comentários ou críticas atingem defeitos ocultos;
Que sensações, agradáveis ou desagradáveis, deleitam ou repugnam.
Você, homem frívolo, cuja alegria dura pouco,
Quando está feliz, sente-se como um bodhisattva;
Quando está infeliz, parece uma víbora ferida;
Mas sempre você é como um tendão ressequido pelo fogo.
Homem vil, muito bem relacionado,
Você se afasta pouco a pouco dos velhos amigos
Em busca de novos ou dos que faltam conhecer;
Quando acolhidos por eles, não confia em nenhum.
Homem desprezível, sempre acompanhado de amigos à mesa,
Quando sua barriga está cheia, você ri, sente-se capaz e sagaz;
Quando tem fome, perde pudor e vergonha
Sem medir as conseqüências de seus atos.
Concupiscente e lascivo,
Você procura meninas bonitas;
Sua mente se imobiliza perante grande riquezas;
Sua mesquinhez se imobiliza quando um mendigo pede uma esmola.
Homem ignorante, presunçoso,
Se abordado por um homem justo, você não dá ouvidos;
Se mentiroso, não se envergonha;
Se trapaceiro, você não tem piedade.
Desde as primeiras vidas, você carrega um fardo de malvadez;
Desde sempre foi atraído pela negatividade de amigos e emoções.
Agora que você conseguiu um precioso corpo humano
E conheceu o Dharma de Buddha, seu destino está em suas mãos.
Forjando o ferro duro, conseguimos moldá-lo;
Fundindo a rocha dura, fabricamos jóias;
Arando a terra dura, preparamos as colheitas;
Mesmo o gado bravo é amansado, e leva homens e carga.
Filho do homem que compreende a linguagem,
Se o fundo do seu coração não apodreceu,
Não será difícil chegar ao fim do Caminho.
Quando você tem liberdade de escolha, cai sob a influência de outros
E exaure a sua vida preparando-se para praticar o Dharma.
Sequioso de comidas e roupas,
Estudo, reflexão e meditação sobre o Dharma são protelados.
Procurando defeitos nos que lhe são mais queridos,
Seus votos e samaya são quebrados.
Sempre num bate boca ocioso,
Suas orações e recitações se perdem para sempre,
Seus pensamentos são cada vez mais vazios,
Os estágios de geração e perfeição se apagam e somem no céu,
Nada do que você faz merece alusão,
Nada de significativo nas suas intenções.
Contudo, agora, gente assim como eu, monges nos seus hábitos,
Meditantes tendo em mãos seus malas,
Grandes yogis cujas mentes não se mantêm no seu estado natural,
Homens vestidos de lamas, praticando rituais em aldeias em troca de ofertas.
Ainda que, com a graça das Três Jóias,
O estômago esteja cheio, você padece interiormente.
As roupas são atraentes, mas não prestam serviço à mente.
Possuindo tudo o que quer, a fortuna não lhe traz benefícios.
Passando esta vida em estado de felicidade, na outra você sofrerá.
Porque o Dharma que é benéfico tanto agora como para sempre,
Ainda que haja quem o explique, não há ninguém que o ouça;
Ainda que haja quem o ouça, não há ninguém que o compreenda;
Quando compreendem em parte, são poucos os que praticam;
Entre os que praticam, são raros os que chegam ao fim;
Entre os que podem explicá-lo, são ainda mais raros os que praticam.
Homem, cujo karma inferior se revela no que quer que faça,
Como quer que o miremos, vemos a decrepitude de uma idade decadente.
Nos tempos que correm, se você completa uma única ação condizente com o Dharma,
Você é digno de ser chamado homem
E realiza a sua aspiração imutável e irreversível.
Impressionado com o seu próprio e surpreendente comportamento, assim como o dos demais nestes tempos decadentes, sentindo náuseas e vontade de chorar perante esta nuvem turbulenta de indecisão, [Jamgön Kongtrül] Lodrö Thaye [1813-1899] proferiu espontânea e livremente estas palavras na solidão de uma montanha.
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