Panacéia dos Amigos

terça-feira

CONVERSA DE DINDO - Um monólogo Dercygonçalviano sobre meio ambiente e ambiente sem meio..



(O personagem trajado de paletó, gravata, calças e sapato vai ao meio do palco.  Segura uma cadeira. A posiciona com o assento contrário a plateia e senta-se. Olha para a plateia como em um reencontro.)

Olá!
Bom te ver.
Bom ter essa prosa com você.
Faz tempo que não falamos..
Como vai a vida?
Vejo que cresceu bem desde a última vez que te vi.
Já está gente grande, hein?
Mas e a cabeça tá boa?
Ou fazendo tanto besteira que na hora de pensar..
Cadê meu cérebro, né?
Aprontando todas
Mas, trabalhar que é bom, nada hein?
Não é boa coisa não, sem vergonha!
Mas sabe que...eu até que eu esperava isso?
Verdade, já estava escrito
Reparando o jeito que você tratou seus pais...!
Quer dizer... sei que eles eram meio estranhos.
Não entendiam a modernidade.
Mas não precisava MATAR eles, precisava?
Crueldade!
Que falta de amor!
Você preferiu matar seus pais do que dividir sua casa.
Só que a casa já era deles antes!
Você nem ligou!
Tomou a casa e fez uma festança atrás da outra, certo?
Comes e bebes a vontade!
Sacanagem de monte!
Arrebentou com tudo!
Seus amigos até roubaram as coisas da família!
Mas você, tão louco, , nem percebeu!
Agora, olha aí...!
Casa arruinada.
Sem dinheiro.
Fudido!
De boa? Isso mesmo que eu falei...
Tá aí você!
FUDIDO!
FERRADO E MAL PAGO!
A casa dos teu velhos
era tão bonita!
Decorada.
“Do coqueiro que dá coco.
De noites claras de luar.
A gente ouvia as fontes murmurantes
E matava a sede.
Com a lua brincando no céu”; (1)
 “As palmeiras,  o Sabiá;
As flores das várzeas;
Uma casa tão viva, cheia de amores!” (2)
E agora, tanta miséria!
Agora , que ponto chegamos!
Satisfeito?
Que você tem?
Que sobrou pra gente?

(Levanta-se, revoltado, joga a cadeira para longe. A cada sentença arranca, rasga uma peça do vestuário fazendo aparecer a maquiagem corporal.)

Isso? Não é nada! –(roupa)
Isso? Não é nada! –(roupa)
Isso? Não é nada! –(roupa)
Isso? Não é nada! –(roupa)
Isso? Não é nada! –(roupa)
E aí? Que me sobrou?
O que sobrou???
Só sobrou o PAU!
Qué sabê? Nem o pau!
Não tenho nem pau para mostrar!
Você se aproveitou do meu pau faaazzz teeeempo, vagal!
Que foi?
Que cara é essa?
Não lembra de mim, não?
Já esqueceu?
Lembra de mim, não?
SOU TEU PAU, FILHO DA PUTA!
Pau Brasil!
FuI teu padrinho, te batizei povinho sem vergonha!
Sou teu “dindo”, vivia nesta casa antes de vocês,
Antes de teus pais índios.
E apesar de tantos filhos adotivos
foram todos recebidos...
E vocês fizeram O QUÊ?
Desgraçaram com tudo!
Os amigos dos seus pais que eram:
A mata,
As águas,
O céu!
Foram todos abusados.
Todos judiados!
Até eu!
Eu que fui seu padrinho, te dei nome!
Fui vendido!
Cortado!
Queimado!
Desperdiçaaaaaaado!
Esquecido!
Virei menos que lembrança ruim.
Que vergonha ter te dado meu nome!!!
Que vergonha de ser Brasil!!!
Que vergonha...Brasil!
Que vergonha, Brasil!
Mas agora, pra vocês saberem:
Eu não sou mais pau brasil!
Não me ofendam mais!
Daqui por diante,  eu sou só o  pau!
Pau nervoso!
Pau que bate!
Pau cacete!
Pau na mesa!
O pau que vocês merecem seus sem vergonha!
Tome o pau!
Pau no Brasil!
Pau no Brasil!
Pau no Brasil!




Por Oto Sales




(1)Aquarela do Brasil-Ary Barroso
(2) Canção do exílio – Gonçalves Dias