Panacéia dos Amigos

domingo

Polaridade


O quarto Princípio é o Princípio de Polaridade 

"Tudo é Duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados" 

Tudo tem o seu pólo oposto para o perfeito equilíbrio e funcionamento contínuo do ciclo do universo. Somente os lados opostos uns aos outros conseguem se unir, transformando-se em uma parte do conjunto do universo. 

Este Princípio é bastante simples e ao mesmo tempo complexo, e contém o axioma hermético dos opostos, ou seja dos pólos que regem toda a vida manifestada tal como nós a conhecemos. O princípio de Polaridade explica, por exemplo, que Luz e Obscuridade são a mesma coisa, manifestada em variações e graus diferentes. 

Explica também que o Amor e o Ódio são dois estados mentais em aparência totalmente diferentes mas em realidade iguais pois exprimem somente o mesmo sentimento em graus diferentes. E o melhor de tudo isto é que, no caso da mente, podemos modificar as coisas se dominarmos a nossa própria mente, mudando a sua vibração, através da Arte da Transmutação Mental. 

Com o profundo conhecimento deste princípio o estudante poderá modificar a sua própria Polaridade, assim como a dos outros, transformando Ódio em Amor, Raiva em Perdão, Tristeza em Alegria

sábado

Ritmo



O quinto Princípio Hermético é o Princípio de Ritmo 

"Tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação" 

As coisas estão sempre em constante movimento e esta lei explica o ritmo desses movimentos. É através da seqüência circula repetida de um mesmo movimento o caminho que se compõem o resultado da transformação. 

Ao analisarmos este princípio temos que compreender que o Universo da forma como nós o conhecemos é influenciado por este constante fluxo e refluxo, por este movimento de atração e repulsão, que o torna tão complexo e ao mesmo tempo tão perfeito. Esta lei se manifesta em todas as coisas materiais e também nos estados mentais do Homem. 

Os Hermetistas compreendem este Princípio, reconhecendo a sua aplicação universal e com os profundos estudos e com o domínio da mente, conseguem dominar os seus efeitos aplicando a Lei mental de Neutralização. Porém, o simples observar desta Lei em aplicação na Natureza nos ajuda a melhor enfrentar as vicissitudes da vida,acompanhando o seu fluxo e refluxo e tentando neutralizar a Oscilação Rítmica pendular que tenta nos arrastar para um ou para outro pólo

sexta-feira

Causa e Efeito

 

O sexto Princípio Hermético é o Princípio de Causa e Efeito 

"Toda a Causa tem seu Efeito, todo o Efeito tem sua Causa; tudo acontece de acordo com a Lei; o Acaso é simplesmente um nome dado a uma Lei não reconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à Lei" 

Nada no mundo acontece por acaso, tudo tem sua causa, e essa causa é o efeito de outra causa, e assim por diante, é uma cadeia circular infinita de causas e conseqüências. 

Neste princípio existe a verdade de que há uma Causa para todo o Efeito e um Efeito para toda a Causa. E O Caibalion nos ensina também que nada acontece sem uma razão, mesmo se nós a desconhecemos, pois tudo é dominado pela Lei. Para nos elevarmos acima da Lei de Causa e Efeito é necessário muito estudo, muita meditação e a compreensão profunda de todos os Princípios Herméticos que fazem do Iniciado um Verdadeiro Mago. 

As massas do povo são levadas para frente, seguindo os desejos e vontades dos outros, do coletivo onde as causas exteriores se tornam mais importantes do que a vontade própria. O verdadeiro Iniciado deve elevar-se acima da massa, exercitando a sua Vontade para poder exercer o seu Livre Arbítrio. Para escaparmos desta Lei, que nos ata às sucessivas reencarnações, devemos antes de mais nada controlar nossa mente e nossos atos para superarmos a casualidade

quinta-feira

Gênero


O sétimo Princípio é o Princípio do Gênero 

"O Gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos" 

Tudo e todos têm seu lado feminino e masculino. É assim que o Universo é formado. Masculino possui Feminino e vice-versa. O termo chinês yin-yang considera essa idéia a base para o equilíbrio, tanto em sua característica criativa como objetiva. O nosso anima (poder feminino) e o animus (poder masculino) devem estar sempre em harmonia. 

Estudando este princípio, que nos lembra o princípio de Polaridade, percebemos que o gênero é manifestado em tudo e que o princípio feminino e masculino estão sempre presentes, seja no plano físico que no plano mental e espiritual. No plano físico este Princípio se manifesta como sexo, e nos planos superiores ele tem outras formas de manifestação, mas se mantém igual. 

Assim, podemos dizer que todas as coisas manifestadas no gênero masculino possuem também um gênero feminino, e todas as coisas do gênero feminino contém também um gênero masculino. Compreendemos assim que não necessitamos da busca do outro princípio pois tudo está imanente em nós, manifestado na forma do gênero. A compreensão deste princípio nos leva à plenitude e à realização interior

quarta-feira

Kundalini


A energia vital básica reside no centro fundamental (muladhara). Os hindus a chamam de Kundalini - o fogo serpentino. Lá está a concentração energética que supre o corpo humano através dos nádis - Ida e Pingala. Esta energia não é mais que a transformação do que Kardec denominou de fluido universal, é o princÍpio vital. 

Confere plenamente com isto a observação de Coquet: “É unicamente graças a esta energia que o mundo pode existir, e, em último lugar, é ela a força primitiva que está subjacente a toda a matéria orgânica e inorgânica.” 

Isto concorda plenamente com o que ensina o espírito Galileu a respeito do fluido cósmico: “Esse fluido penetra os corpos, como um oceano imenso. É nele que reside o princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo, conforme a condição deste, princípio que, em estado latente, se encontra adormecido onde a voz de um ser não o chama. Toda criatura, mineral, vegetal, animal ou qualquer outra - porquanto há muitos outros reinos naturais, de cuja existência nem sequer suspeitais - sabe, em virtude desse princípio vital universal, apropriar as condições de sua existência e de sua duração. 

”As moléculas do mineral têm uma certa soma dessa vida, do mesmo modo que a semente do embrião, a se agruparem, como no organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos.” (Allan Kardec, A Gênese, FEB, cap. VI, nº 18). 

Na ciência ocidental, geralmente a Kundalini é desconhecida como tal, pois ela reside no corpo invisível. Entretanto, seus reflexos são identificados na psicologia. Freud estudou-a como uma energia sexual- a libido – que diminuiria a própria vida. 

Com mais correção, Jung chamou a atenção de que a energia psíquica não é originariamente sexual - a libido para ele é neutra, sujeita a transformações de acordo com a orientação que lhe é dada. O próprio Freud, ainda que preso à energia sexual - admitiu estas transformações a que chamou de sublimação do instinto sexual. 

Em realidade, a energia psíquica em seu desdobrar vai sendo dirigida para cada um dos vários centros de força podendo cristalizar-se em um deles. A exaltação da libido sexual teria como fator a concentração da energia psíquica no centro genésico, dando àquele que estuda paralelamente o fenômeno a idéia de que toda energia é de origem sexual. Por outro lado, é de observar-se que o despertar de Kundalini provocou uma geração anômala de sêmen, que vai sendo consumido na medida em que a energia sobe em busca dos centros superiores. Uma visão parcial da questão pode dar a idéia de que a energia em si é de ordem sexual.

Obstruída que se encontra sua passagem no Sushumna pelo nó (granthi) de Brahma, a Kundalini não tem acesso aos demais centros em linha reta. A ruptura deste nó de Vishnu e do frontal, nó de Rudra, com a subida da Kundalini também pelo canal central unindo assim os três nádis, torna-se extremamente perigosa, podendo resultar na loucura e na morte, quando mãos inexperientes tentam realizá-la. A projeção de Kundalini através dos centros inverte o processo natural - é que a ascensão natural se realiza depois que os centros estão desabrochados e os canais ao longo da coluna vertebral se encontram livres. 

A triangulação das energias resulta numa queima extravagante se o indivíduo não se encontra devidamente preparado física, mental e moralmente, determinando sua destruição. Daí a necessidade de um guia para a realização de tal ascensão. O próprio circuito de ascensão de Kundalíni é distinto de indivíduo para indivíduo e vai depender do despertamento de seus centros..

segunda-feira

Diálogo socrático




Diálogo socrático é um gênero de obra literária em prosa desenvolvido na Grécia Antiga por volta do século IV a.C., e preservado atualmente nos diálogos de Platão e nas obras socráticas de Xenofonte, tanto dramáticas quanto narrativas, nas quais os personagens discutem problemas morais e filosóficos, ilustrando alguma versão do método socrático. Sócrates, tutor do próprio Platão, frequentemente é o personagem principal destas obras.

O termo pode se referir mais especificamente a estas obras específicas nas quais Sócrates é um personagem, embora outros textos sejam incluídos; as Leis, de Platão, e Hierão, de Xenofonte, por exemplo, são diálogos socráticos nos quais um sábio, que não é Sócrates conduz a discussão (o Estranho Ateniense e Simônides, respectivamente). Da mesma maneira, o formato estilístico dos diálogos pode variar; os diálogos de Platão contêm geralmente a transcrição direta de cada um dos falantes, enquanto os diálogos de Xenofonte são escritos na forma de uma história contínua, que contém, juntamente com a narrativa das circunstâncias do diálogo, as "citações" dos seus participantes.

Sócrates costumava iniciar uma discussão sobre algo com uma pergunta, que obtinha opiniões de seu interlocutor, que ele primeiramente as aceitava. Depois, por meio de perguntas e respostas, mostrava o contraditório ou absurdo das opiniões originais, levando ao interlocutor a reconhecer seu desconhecimento sobre o assunto. Esta primeira parte do método de Sócrates, destinada a levar o indivíduo à convicção do erro, é a ironia. Depois, continuando o diálogo, e partindo da opinião primitiva do interlocutor, constrói com o interlocutor o conhecimento daquilo que se discute. Sócrates deu a esta última parte a designação de maiêutica - a arte de fazer nascer as ideias. É este o método que encontramos amplamente desenvolvido nos diálogos socráticos de Platão, onde a verdade nasce da discussão e não de uma "verdade" anterior afirmada.

De acordo com um fragmento de Aristóteles, o primeiro autor do diálogo socrático teria sido Alexameno de Teos, porém nada se conhece a respeito do autor, se o próprio Sócrates aparecia em suas obras, ou quão preciso Aristóteles era em seu julgamento desfavorável a seu respeito. Além de Platão e Xenofonte, Antístenes, Ésquines de Esfeto, Fedo de Élis, Euclides de Megara, Simão, o Sapateiro, Teócrito, Tissafernes e Aristóteles teriam todos escrito diálogos socráticos, e o romano Cícero também teria escrito obras semelhantes, em latim, sobre temas filosóficos e retóricos (por exemplo, De republica)..

sexta-feira

O que é existencialismo?




A metáfora clássica da consciência como um continente onde conteúdos se alojariam dá lugar à metáfora moderna de um movimento, uma ação

Sabe-se que a rubrica “existencialismo” foi uma invenção da mídia francesa para dar nome a um movimento intelectual surgido no pós-guerra – a bem da verdade, ao que se tomou por um movimento, pois isso, ao menos no início, não esteve em questão para os autores. O termo, ainda que Sartre o julgasse mais tarde “idiota”, não deve ter-lhe parecido assim tão absurdo, pois o próprio Sartre dele se serviu em escritos menores (por exemplo, no texto daquela célebre conferência “O existencialismo é um humanismo”, que foi, por sinal, renegada por ele); e o mesmo fez Merleau-Ponty, publicando na recém-criada Les Temps Modernes alguns pequenos artigos sobre o assunto (“A querela do existencialismo”, “O existencialismo em Hegel” etc.). A bem da verdade, Merleau-Ponty preferiu mais tarde adotar uma outra rubrica, a “filosofia da existência”; com isso, ele pretendia não tanto marcar identidade própria, já que, com o tempo, o existencialismo terminou por confundir-se com a doutrina de Sartre, mas sobretudo abrir o horizonte para além da cena francesa do momento; mais do que isso, pretendia mostrar que a filosofia da existência é o traço distintivo de todo o pensamento moderno: menos que uma doutrina particular, uma doutrina entre outras (uma doutrina apropriada, como se diz ainda hoje, às angústias daqueles tempos ferozes), o existencialismo francês apenas retoma uma tarefa que é própria dos Tempos Modernos.
São esses os nossos tempos – o que Sartre e Merleau-Ponty já indicavam pelo título da revista criada por eles – e o seu começo remonta, ao contrário do que possa parecer, não a Descartes, embora em Descartes uma virada decisiva tenha se produzido com o aparecimento da subjetividade (em sentido estrito, ignorada pelos antigos e medievais), tão decisiva que toda a filosofia, ainda hoje, não pode ignorá-la, como não podemos ignorar uma espinha de peixe cravada em nossa garganta; mas não é ainda Descartes que define as tarefas que são as nossas, pois, se ele é o descobridor da moderna subjetividade, ele ainda a faz apoiar-se em um pensamento do infinito: se, por exemplo, Descartes tematiza a percepção, é menos para mostrá-la em sua contingência e finitude do que para pensá-la segundo um critério que a ultrapassa. Na formulação de Foucault, a questão colocava-se para os clássicos (Descartes entre eles) da seguinte maneira: dado que a verdade é o que é, como acontece de perceber como percebemos. A questão dos Tempos Modernos, ao contrário, começa por dar um sentido positivo à finitude.
O começo dos Tempos Modernos, aqueles de que o existencialismo se julga herdeiro, se encontra em Hegel, que, como se sabe, era uma obsessão naqueles dias – um Hegel, é verdade, aclimatado pelos célebres cursos de Kojève, dos anos 1930, e sobretudo o primeiro Hegel, o da Fenomenologia do espírito. Foi esse o primeiro passo a infletir a filosofia em uma direção que permanece, para o existencialista, a nossa direção, pois foi ali que apareceu um novo conceito de razão, uma razão alargada, capaz de explorar o irracional, o contingente, o singular; a tarefa que os existencialistas se davam (e que é ainda a nossa tarefa) é hegeliana: trata-se de explorar e integrar o irracional a uma razão mais alargada, mais compreensiva que o entendimento, e não será surpresa se, no final das contas, a filosofia tiver de abandonar a idéia de uma esfera própria e realizar-se na não-filosofia. Que se tome o conceito de experiência em operação na Fenomenologia do espírito: ele deve incorporar todas as manifestações do espírito, as que residem tanto nos costumes, nas estruturas econômicas, nas instituições jurídicas, quanto nas ciências; ele deve incorporar a experiência moral, estética, religiosa e deve fazê-lo de modo a revelar sua lógica imanente, em lugar de subsumi-la, por encadeamento, a uma construção conceitual. Daí porque Hegel interessava tanto aos existen-cialistas: ao recobrar para a experiência essa dimensão, ele abria a via para revelar o que ela tem de metafísica. A questão que se coloca já não é, como em Kant, a de saber quais as condições de possibilidade de uma experiência, que é, em Kant, puramente científica e cujo correlato é o mundo das ciências da natureza, mas a de revelar as condições de realidade da experiência efetiva, da experiência humana em todos os seus setores.
Mas há o Hegel do fim, do sistema, o Hegel contra o qual Kierkegaard não cessa de apontar suas críticas, aquele que julga o desenvolvimento do mundo e o declara acabado no Estado prussiano; esse Hegel é aquele que finge ignorar sua inerência histórica, aquele que finge colocar-se fora de qualquer situação, é o Hegel que se esquece de sua própria subjetividade. Não foi tanto Hegel, mas Kierkegaard, o primeiro a usar o termo “existência” em seu sentido moderno, diz Merleau-Ponty, e esse sentido é precisamente aquele consubstanciado na crítica de Kierkegaard a Hegel: a existência não se deixa absorver pelo conceito, pelo sistema, pela idéia. A existência implica de imediato uma inerência, uma encarnação, uma situação que é inultrapassável pelo conceito. Verdade, nota Sartre, que é a religião que Kierkegaard quer defender, verdade que ele é um cristão romântico que luta contra a racionalização da fé, verdade que ele procura, incansavelmente, escapar à “terrível mediação” e que, por isso mesmo, seu subjetivismo religioso pode passar por cúmulo do idealismo, mas resta que ele tem razão contra Hegel e representa um progresso em relação a ele: ao afirmar que a vida subjetiva, enquanto vivida, não pode jamais ser objeto de um saber, Kierkegaard afirma a irredutibilidade do vivido, isto é, de um certo real ao pensamento e o seu primado. É essa incomensurabilidade entre o real e o saber que resta para o existencialista, o ganho definitivo de Kierkegaard – ainda, é certo, que ele envolva riscos de um irracionalismo, da afirmação obstinada de uma subjetividade vazia; daí porque, contra Kierkegaard, Hegel também tem razão: em lugar de deter-se em paradoxos da subjetividade, Hegel exige o “ultrapassamento”, a passagem, a mediação. Daí porque, para o existencialista, a questão é menos a de afirmar os direitos inalienáveis da subjetividade, mas a de encontrar nela sua própria transcendência; menos que mostrá-la insubmissa ao conceito, a questão é mostrar que o conceito se funda nessa estrutura existencial.
Assim, por exemplo, no momento em que Hegel vai tratar da alteridade (e esse tema é uma inovação hegeliana: ele vai de par com a inovação do conceito de experiência), Sartre nota que Hegel fala do ponto de vista de uma totalidade, não de seu próprio ponto de vista: se Hegel pode falar em um Todo, em um mundo humano que é mais que um agregado de sujeitos, mais que uma soma de indivíduos, é porque ele encontra um laço que une intimamente os sujeitos e os faz depender uns dos outros; ora, mas Hegel só pode fazer isso, objeta o existencialista em registro kierkegaardiano, abstraindo de sua própria consciência, visando à relação entre as consciências dos outros, tornando equivalentes o seu ser e o ser dos outros; é a esse preço que ele pode falar em totalidade, ao preço de esquecer-se de si mesmo, de sua própria existência. O idealismo de Hegel está aqui, na passagem ao ponto de vista do Todo. No entanto, daí não se segue – é o momento hegeliano tal como o existencialista o interpreta – que os sujeitos estejam ilhados em suas consciências, que eles não formem um mundo humano, que a comunicação seja apenas equívoco, que o outro não possa captar-me no âmago do meu ser: a existência do outro é tão certa quanto a minha e eu nem mesmo colocaria essa questão se ela não se assentasse em uma intuição do outro. Em suma, o verdadeiro cogito é esse “ultrapassamento” para fora de si, essa exigência contínua de um mundo, de um fora, sem o qual ele nada é, mas ele não pode jamais desvencilhar-se de si mesmo e tornar-se essa exterioridade para a qual ele é perpétuo “ultrapassamento”. O sujeito é inteiramente consagrado ao mundo, ele é-no-mundo, continuadamente fora-de-si, mas não pode jamais desfazer-se de si mesmo e tornar-se outro: a síntese hegeliana é travada antes de ela passar adiante, antes de converter-se em idealidade.
Esse sujeito existencialista – mais especialmente: o sujeito sartriano, pois aqui, agora, falamos apenas de Sartre – guarda alguns traços do seu homônimo mais célebre, o sujeito cartesiano, mas o cartesianismo de Sartre é mediado pelas leituras de Husserl, sua referência intelectual mais próxima. Sartre guarda o primado do cogito (é do cogito que se deve partir, ele diz); acontece que esse primado, em Descartes, é idêntico ao primado do pensamento, ele implica um sujeito de pensamento, de representações, de idéias: as idéias são em Descartes aquilo a que o sujeito deve se confinar se quiser buscar a verdade. Ora, o cogito sartriano não seria possível sem a crítica prévia de Husserl à noção de representação. Essa crítica vai implodir o sujeito clássico enclausurado em meio a suas idéias, pois dela sobressai a necessidade de distinguir ato e correlato, a consciência e aquilo de que ela é consciência.
Dito de outro modo: o efeito mais visível da crítica husserliana é a necessidade de voltar à descrição de modos de consciência, modos que a noção clássica de representação ignora (modo imaginativo, perceptivo, signitivo, intelectual etc.); assim, atos de perceber, de imaginar, de inteligir são diferentes modos de consciência e implica diferentes correlatos, diferentes modos de “objeto”. Ou, em termos mais conhecidos: toda consciência é consciência de alguma coisa, implicam um correlato, conforme reza a fórmula clássica da intencionalidade. Cada um dos diferentes atos de consciência possui sua estrutura própria, sua “essência”, e é isso que um clássico é levado a ignorar no momento em que, por um lado, traduz tais modos em termos de “faculdades” (faculdade de imaginar, de sentir etc.), como se essas fossem predicados de um sujeito, e, por outro, lida com o operador geral “idéia”. Resulta daí um duplo prejuízo: o sujeito cartesiano é um sujeito genérico, como que o suporte das diferentes faculdades, e a esse sujeito genérico corresponde uma idéia pouco clara de “idéia”, já que ela ignora, por sua vez, os diferentes modos do objeto.
Ora, essa crítica husserliana vai entusiasmar o jovem Sartre – que dela vai fazer um uso bem peculiar. Todos se lembram da história contada por Simone de Beauvoir, segundo a qual Raymond Aron teria estimulado o jovem Sartre a passar uma temporada na Alemanha para estudar Husserl. O episódio famoso se passou em um café, diante de um coquetel de damasco, e Aron teria dito: “Estás vendo, meu camaradinha, se tu és fenomenólogo, podes falar deste coquetel e é filosofia”. A partir daí, Sartre passaria longos anos debruçado sobre a obra husserliana e dela retiraria as possibilidades que ele buscava desde jovem: a de definir novamente o sujeito, a de superar o primado do conhecimento (tão marcante na filosofia francesa de então), a de fazer jus à diversidade da experiência humana. Daí a insistência no conceito de intencionalidade: em interpretação sartriana, dizer que a consciência é intencional é o mesmo que dizer que ela alcança o objeto em sua transcendência, que o mundo não pode ser convertido em minha representação, que a consciência não é um lugar de representações. Assim, perceber uma árvore não é desvanecer a árvore em uma miríade de sensações coloridas, táteis, térmicas etc., que seriam “representações”: não há elementos subjetivos imanentes, diz Sartre, de modo que perceber uma árvore é alcançá-la lá onde ela está, fora de nós. Daí a insistência de que Husserl libertou o mundo psíquico de um enorme peso ao lançar os conteúdos para fora e definir a consciência como intenção dirigida para o mundo.
A metáfora clássica da consciência como uma caixa, um continente onde conteúdos se alojariam, dá lugar à metáfora moderna de um movimento, um direcionar-se para algo, uma ação: a metáfora do continente é tipicamente espacial, ilusão oriunda do equívoco de pensar o sujeito a partir do mundo espacial; mas o sujeito é “esvaziado” de representações, ou antes, ele não é um “dentro” por oposição a um “fora”, um “interior” por oposição a um “exterior”; ele é uma intenção, uma visada; assim, em vez de espacial (e, por isso, estático e contemplativo), o sujeito será pensado em paradigma temporal (e, por isso, dinâmico e ativo). É assim que o sujeito se dessubstancializa (e só um sujeito temporal pode ser não substancial) e, por conta disso, ele deve ser definido não mais por aquilo que é, mas apenas por aquilo que fizer.
A via aberta por Husserl é imensa e um vasto campo de trabalho se abre para Sartre. Não é à toa que, ainda nos anos 1930, logo depois de ter voltado de Berlim, Sartre se dedique a fazer a fenomenologia de um desses territórios: servindo-se de instrumentos husserlianos, Sartre se volta para a imaginação; ele escreve A imaginação, obra crítica que procura explorar a confusão clássica entre diferentes modos de consciência, confusão que termina por ignorar a especificidade do ato de imaginar, e, logo depois, O imaginário, exercício de “psicologia fenomenológica” no qual aplica o princípio da intencionalidade e revela a essência desse modo de consciência.
Mas o principal da via aberta por Husserl não está aí. O principal está consubstanciado em duas obras: em um pequeno texto, escrito ainda em Berlim, A transcendência do ego, e na obra maior de Sartre, O ser e o nada. É que nessas obras, mais do que em qualquer outra, Sartre traz à luz a união de duas estratégias aparentemente antagônicas: voltar-se para o sujeito existente, para o sujeito concreto no mundo, por um lado, e afirmar o primado do cogito, por outro. Para isso, é preciso redefinir o cogito, mas, antes disso, é preciso mostrar que o ego descoberto pela reflexão é uma criação dela. O que isso significa? Significa que o campo da consciência, em sua pureza, é sem ego, sem persona; só uma reflexão purificadora pode descortinar uma tal consciência sem alma. Aqui, Sartre leva ao limite o princípio da intencionalidade, tornando o próprio ego um objeto, um objeto especial, certamente, mas um objeto transcendente visado por nós a cada vez que operamos uma reflexão, isto é, a cada vez que reunimos nossos atos perpetuamente fluentes em uma unidade e dizemos: “eu lia”, “eu tocava piano” etc. Com isso, Sartre deixa em aberto a possibilidade de descrever a consciência em ação no mundo, aquela de nossa experiência espontânea, irrefletida, tal como ela é antes que nosso olhar reflexivo lance sobre ela aquilo que ela, originalmente, não tem.
Mas daí não se segue que a experiência irrefletida seja inconsciente de si mesma. Todo ato é consciente de si mesmo sem a necessidade de um concurso da reflexão, cada ato se sabe a si mesmo de dentro porque cada um deles, autonomamente, faz unidade consigo mesmo, e cada um se sabe a si mesmo sem que um Eu, além desse ato, o veja realizar-se, como se houvesse um pequeno Eu dentro de cada um de nós (como uma identidade além do fluxo dos atos) que os veria fluir e permaneceria incólume a essa fluência. O ato é para si, ele não é para um Eu. Daí porque Sartre vai dizer que toda consciência é consciente (de) si – assim mesmo, com o “de” entre parêntesis, designando com isso que essa consciência (de) si não representa uma segunda instância, que ela não exige um novo ato. Esse apuro obedece ao princípio fenomenológico de ausência de pressupostos, aquele que pretende acolher o fenômeno em sua pureza.
Ora, visto de perto, cada um desses traços apontados por nós – da herança de Kierkegaard, que afirma o primado do existente, à interpretação de Husserl, segundo a qual a filosofia vai encontrar o fenômeno (isto é, ela será verdadeiramente radical) se voltar-se para a experiência irrefletida – aponta para um mesmo alvo: o existencialismo sartriano muito facilmente pode ser confundido com uma forma de antropologia, isto é, de um discurso que se coloca no mesmo plano das ciências empíricas e que por isso compete com elas. É esse risco que coloca a questão maior ao existencialismo, questão cuja resposta exige longas considerações, a questão relativa ao estatuto do seu discurso: afinal, que é o existencialismo?

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/o-que-e-existencialismo/