Panacéia dos Amigos

terça-feira

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte IV




     Que contém essa grande zona de desconhecido?
    Eis o que é preciso saber. Na vida, inclusive para alcançar êxito em nosso mundo atual, necessitamos de mais bom senso e sabedoria. A força, em que hoje tanto se acredita, se não a soubermos guiar, a ninguém servirá, reduzindo-se a estúpida e violenta manifestação de um bruto: extermínio inconcludente. Quantas coisas imprevistas estão de emboscada, no bem ou no mal, como alegria ou dor, nesse imponderável que, embora no mistério, conduz tão grande parte de nossa vida! Ao lado da zona bem definida, formada de coisas por nós mesmos desejadas, que vasto campo em que preponderam o que chamamos circunstâncias, surpresa, sorte, desgraça! A maioria, ignara e simplista, atribui todas essas coisas, em peso, ao acaso. Ora, quem diz acaso revela a própria ignorância. A quem sonda nas profundezas, porém, a estrutura da vida parece bem diferente. Uma ausência de normas e de guia, um funcionamento sem lei, confiado totalmente à desordem - é um absurdo. A direção, que é ato positivo, não poderia ser confiada a um elemento negativo, que não se sustém por si mesmo e que só existe como contraposto. A negação da ordem não pode ter a força de sustentar a perene afirmação criativa da vida. Como o nada não existe senão como condição do ser, igualmente o acaso só é consebível como desordem enquadrada em função de uma ordem mais vasta, que o circunscreve e o conduz, em ordem, para superiores objetivos.     Tudo no universo, inclusive o que aparenta fugir à disciplina e parece casual, é regulado por normas e cada força se move, por concatenação, objetivando uma precisa finalidade, segundo o princípio de causa e efeito. Também onde as forças surgem ainda em estado caótico, caracterizando fases mais involuídas, o pensamento e a vontade de Deus, íntima e ocultamente, detêm as rédeas e governam o caos. É somente por essa razão que esse caos não se transforma numa dança infernal de forças inimigas e não se dissipa no nada, mas, gradualmente evolui, disciplinando-se numa ordem em que cada vez mais evidente se manifesta a presença de Deus. O imponderável não é, pois, o acaso ou uma desordem e, sim, uma ordem que não conhecemos.O problema consiste, assim, em penetrar a lei desse funcionamento, de nós desconhecido.

Que significa a vida de um homem? Não é, certamente, um fenômeno estático: é um feixe de forças em movimento. Em face do princípio de causalidade, o problema é conhecer o caráter de cada uma dessas forças, quais são atualmente, o caminho que elas percorreram até hoje. Só assim poderemos determinar o que serão elas amanhã. Trata-se de nos conhecermos a nós mesmos, de conhecer a personalidade humana em geral e, depois, nosso próprio caso particular. O homem moderno não conhece nem uma nem outra coisa. Não é fácil, porquanto são muitos os elementos: são impulsos recentes, outros distantes, outros remotíssimos, de natureza e poder diferentes, e sempre em contínuo movimento e desenvolvimento. São forças nossas e alheias entrelaçadas por uma contínua interdependência de ação e reação; são forças já solidificadas em determinismo, fixadas por longas repetições de atos em automatismos e instintos, e forças ainda livres, em formação, que apenas começam a fazer parte do feixe dinâmico que constitui a personalidade humana, forças ainda fluídicas, não cristalizadas no destino, e que continuamente produzimos. Como nos orientarmos?O universo é, entretanto, indubitavelmente, uma grande orquestração de forças, um imenso concerto, em que também o homem emite sua nota, mais ou menos consciente, mais ou menos livre, conforme sua evolução e vontade. Cada ato, cada dia, cada vida segue e sobrevem, uma após outra, como ondas de um oceano sem fim. Tudo é conexo no espaço e no tempo, e tudo avança na grande marcha ascensional da evolução para Deus, para os objetivos pessoais, para mais vastos escopos coletivos, numa hierarquia de finalidades orientadas todas para um único centro: Deus.

Se o homem conhecesse todos esses elementos que se encontram nele e em torno dele, sem dúvida conheceria seu futuro. O conceito de acaso, de caos e de desordem não pode existir senão na forma mental do involuído. Só nos graus de evolução superior à humana se pode ter a capacidade de abranger tão vastos panoramas, que estão providencialmente escondidos ao homem atual, em face de seus baixos instintos. Assim, atualmente, para ele, tudo o que está fora do seu reduzido campo de exercitação, que lhe é necessário para progredir, tudo se confunde num inextricável emaranhado que o deixa em trevas profundas. Eis porque a palavra "imponderável" não pode assumir senão um significado negativo, de desconhecido e incognoscível, quando, na realidade, possui um conteúdo positivo e precisamente definível.
    Para atingir este conteúdo, todavia, é necessário ainda evoluir, distanciando-se do atual estado de animalidade. O homem de nossos dias não pode compreender isso, porquanto se encontra dentro desse estado e é ele sua forma mental; e um estado não se pode perceber quando se está dentro dele, mas, sim quando se está fora dele ou dele se afasta. O homem atual navega num mar de incógnitas, em que a direção dos acontecimentos, individuais ou coletivos, não lhe pode ser confiada, porque ele é um cego, mas é mantida pela sabedoria das leis de Deus. Entretanto, para que lhe seja possível evoluir, através de uma livre experiência, por forma consciente e responsável, um pequenino raio de luz lhe foi deixado, suficiente para lhe iluminar a estrada a percorrer. Aí ele compreende, escolhe, semeia e ceifa, erra e paga, sofre a reação das forças que possui e que somente ele mesmo pode movimentar. Quanto ao resto, nada sabe e nada pode, tudo é determinismo, acima de seu poder e conhecimento e, portanto, também responsabilidade. Não lhe resta senão entregar-se a Deus e à Sua sabedoria.
    Ao homem foram confiados um determinado dever e um pequeno campo para lavrar, que é o seu planeta; só como simples espectador pode ele contemplar a direção do universo, nos limites de sua compreensão. Realizado o seu trabalho no âmbito estabelecido pela lei de Deus, para sua própria edificação, o resto pertence ao próprio Deus, que distribuirá infinitas tarefas a quem e a quantos quiser. Cumprido seu dever, ao homem não resta senão confiar no "Pai Celestial", que já demonstrou saber tão bem dirigir o universo, trazendo-o até aqui, vivo e esplendoroso, qual o vemos, trabalhando antes do homem e sem auxílio dele. Quando, pois, o homem errar, que aceite de Deus a justa correção; e quando souber adaptar-se à Sua ordem, Dele aceite a justa recompensa.
    Quando falamos sobre um imponderável conhecível, referimo-nos às incógnitas relativas ao homem e ao seu ambiente e também às do universo, que neles se refletem. Se quisermos sondar o imponderável que mais nos interessa, o mais próximo, relativo à nossa personalidade, maior é a possibilidade de conhecê-lo. Com o cálculo das probabilidades já se tem experimentado estabelecer a lei que regula o curso dos acontecimentos. Esse cálculo, porém, se refere às formas mais simples e é uma abstração bem longe de corresponder à realidade. Nos eventos humanos os elementos constitutivos são tantos e em tão grande parte desconhecidos, que aquele cálculo falha completamente ao seu escopo. Se reduzirmos, no entanto, o complexo feixe de forças que constituem um destino à sua expressão mais simples, isto é, forças favoráveis ou contrárias, poderemos ter uma idéia do seu provável desenvolvimento, numa determinada vida.

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