Panacéia dos Amigos

quarta-feira

A BUSCA - Um conto de fantasia medieval - Por Paulo Moraes

PARTE I A floresta de Llwejandhe sempre foi admirada e temida. O encanto que ela inspirava por suas frondosas e centenárias árvores, seus bosques, cachoeiras e suas raras e belas criaturas era tão intenso quanto o temor reverencial que os moradores das redondezas sentiam em relação ao seu poder e mistério. “Llwejandhe vive e observa, julga e sentencia de acordo com sua justiça” – declaravam os moradores. Enquanto adentra mais e mais em seu interior, Marnen de Burdûke relembra todas as histórias que ouviu em sua infância. Todavia, ele jamais temeu Llwejandhe, e, hoje, não há tempo para deslumbrar-se com sua grandeza. Não, hoje. Marnen busca a cada passo, trilhar dois caminhos. O primeiro é o de sua alma, pois, busca reencontrar-se com a harmonia das matas, reaver a paz em sua alma que lhe permitirá novamente ouvir a doce voz da floresta para que ela lhe diga aonde encontrar o objetivo de seu outro caminho...o de seu destino! Três dias atrás, o ladrão assassino Malcolm Wormnight roubou um medalhão, a principio insignificante. Seu cordão são de cipós trançados, que sustentam um pequeno círculo de galhos de carvalho entrelaçados. Não era estranho, por aquelas redondezas que se utilizasse tal amuleto com pequenos galhos dos grandes carvalhos do interior das matas...eles simulavam o medalhão de Airhmrgreen, utilizado pelas dríades, e por esta razão, era considerado um símbolo de proteção e boa-venturança. No entanto, Wormnight não levava consigo uma simples lembrança, e sim, um genuíno Airhmgreen tomado de uma dríade. Este, em parte, sustentava a ligação dela com o carvalho que era sua morada e agora, sua existência brevemente deixaria de existir. Ela era conhecida pelo vilarejo próximo, Burdûke, lar de Marnen, como Rosebud. Marnen ama Rosebud e a história que uniu todos estes personagens começa há muito tempo atrás. Em um outro e distante reino. Um reino em guerra cuja capital acabara de cair diante dos exércitos inimigos após um longo cerco. Uma bela jovem estava presa em seu quarto por ordem de seu pai. No entanto, logo ela ouve a porta de entrada ser arrombada, e os gritos de seu pai nos últimos estertores de uma morte dolorosa. E risos. Sim, muitas risadas bêbadas e ferozes. Ela se arma com um candelabro, num misto de loucura e ódio deseja enfrentar os assassinos de seu pai. Sua porta é arrombada com um forte golpe de um martelo de guerra. -Ora, ora! O que temos aqui? Veja só, uma princesinha apenas para mim esta noite!-disse o guerreiro mercenário enquanto avança em sua direção. -Afaste-se de mim! –Esbraveja a donzela enquanto tenta golpear a cabeça do mercenário que, aparentemente, sem esforço detêm o seu golpe e torce seu braço atrás de suas costas. -Agora, sua vadia, você vai me dar muito prazer antes de morrer...eu vou....gasp! – O mercenário engasga, um filete rubro escapa de seus lábios e escorre pelo seu pescoço. Ele cai inerte, sem vida aos pés da jovem. Ante ela, um outro guerreiro mercenário, mas seu olhar é distante e indiferente, traja uma cota de malha para se proteger e concentra-se em limpar sua espada ensangüentada nas roupas do caído. Finalmente, se dirige a ela: -Venha comigo, outros como este canalha, virão. Não foi um pedido, com firmeza, a segura pelo braço e a leva. Logo, estão partindo da cidade, montados num cavalo que cavalga velozmente para longe. O estranho casal formado pelas circunstâncias, logo, viveria aventuras que não cabem narrar aqui e, com o tempo, surgiu entre eles a chama que os homens chamam de amor, decidiram-se por estabelecer um lar no vilarejo de Burdûke , próximo a floresta de Llwejandhe. Pouco depois, nasceu Marnen e, apenas dois anos se passaram para que uma doença misteriosa e incurável, subitamente, levasse seu pai. Marnen foi criado com cuidado e atenção por sua mãe. No entanto, sentia a falta do pai que não pôde conhecer. Aos nove anos teria seu primeiro encontro com aquele que seria conhecido como Wormnight. Ele não morava na vila. Na época era conhecido apenas como Malcolm e fazia parte de um bando de arruaceiros que viviam nos arredores, em acampamentos, ladrões. Contava com doze anos e perturbava as crianças da vila, batendo nelas e roubando o que tinham. Marnen era sua vítima favorita. Um dia, fugindo de Wormnight foi se refugiar floresta adentro. Nem ao menos, sabia aonde ia. Em sua fuga desesperada adentrou por trilhas desconhecidas e encontrou a caverna. Era grande e no meio da floresta. Tinha pelo menos três metros de altura e quatro de diâmetro, o garoto adentrou em seu interior e pode perceber que ela se estendia por muitos metros ao fundo. Porém, para seu espanto, ela não parecia abandonada. Havia mantimentos em sacolas penduradas nas paredes, um jarro contendo água, e num dos cantos das paredes algo mais impressionante: armas. Entre elas um belo conjunto de arco e flecha. Entre os moradores de Burdûke, muitos se orgulham dos belos arcos que produzem com os madeiros de Llwejandhe, no entanto, Marnen jamais vira antes arco e flechas tão magníficas. Isto o assustou. Decidiu se retirar rapidamente. Foi quando uma sombra se fez sobre ele, ao se virar viu na entrada da caverna um homem que o observava, não, não era um homem, Marnen já ouvira falar sobre estes estranhos seres: era um meio-elfo! -O que faz aqui, pequeno? – disse tranqüilamente. A resposta do pequeno Marnen foi uma fuga desesperada por entre as pernas do recém-chegado! Mas, a seguir, Marnen sente um golpe seco atingi-lo e então, há apenas a escuridão. Momentos depois, uma luz começa a se insinuar na escuridão. Bruxuleante e turva acaba tomando a forma de uma fogueira. Próximo dela, alimentando-a com gravetos, estava o estranho ser. Instintivamente Marnen leva a mão à cabeça, está enfaixada e com um estranho ungüento esverdeado que mancha seus dedos. -Desculpe-me por isto. Não deveria tê-lo atingido. Mas, velhos instintos não morrem facilmente.Como te chamas? -Marnen! Marnen de Burdûke! O quê...quero dizer...quem é o senhor? O meio-elfo sorriu paciente. Não havia traço de desconforto ou raiva em seu semblante. -Quanto ao “O quê” sou um meio-elfo, como pode ver, e ao “quem” pode me chamar de Wolfarcher! -Wolfarcher... - repetiu o garoto sem perceber.- O senhor vive aqui sozinho? -Até agora, sim. Mas, apenas aguardava a chegada de alguém com quem deveria me encontrar, todavia, a espera acabou. -Seu visitante chegou? Wolfarcher sorriu com gosto – É claro, está diante de mim com a cabeça enfaixada! -O senhor estava esperando por mim? -Sim, Llwejandhe me pediu que aguardasse quando ela o traria até aqui! -A floresta me trouxe aqui? -Sim, ela tem planos para você e me pediu para ajudar. -A floresta fala com o senhor? -E deseja falar com você! Você gostaria disso? -Sim, sim! -Bravo garoto! Esteja aqui amanhã de manhã e eu o ensinarei. Não conte nada a ninguém, nem a sua mãe. Quando for a hora ela irá saber. Agora, vá! Já é tarde. PARTE II Aquele foi o ínicio de seu aprendizado. Marnen se tornou pupilo de Wolfarcher.Com ele, aprendeu a se guiar pela floresta, a utilizar armas de combate, conheceu o poder das ervas, a compreender as criaturas da floresta e, principalmente, a "ouvir" a voz de Llwejandhe. -Você deve ouvir a voz em seu coração. Sentir o desejo das matas, e não simplesmente tentar compreender. Todos os animais conseguem pressentir os desígnios da floresta. Todos nós viemos das matas e as compreendemos, apenas nos esquecemos disto – Explicava Wolfarcher a seu pupilo. Os anos se passaram, e nunca houve para Marnen tempos mais felizes. Passava mais tempo na floresta do que na vila. Seu aprendizado de combate com Wolfarcher há muito o livrara do impertinente Malcolm a quem dera uma lição inesquecível e o fez fugir da vila muito tempo atrás. Marnen se tornava um jovem alegre, confiante e forte. Foi quando , num dia de inverno, caminhando pela mata, ele a viu. Não pode acreditar no que seus olhos vislumbravam. Uma dama de tal beleza que gelava seu sangue e embaralhava seus pensamentos. Sua imagem como se fosse uma aparição angélica arrebatou seu coração e alma para um mundo secreto. Um mundo de suprema ventura. Seu sorriso era reconfortador como o amanhecer e seus olhos profundos como o mar azul, profundos e infinitos. Sua pele e seus cabelos eram brancos como a neve. Sem dúvida, estava diante de uma dama élfica, de todas a mais bela. Daquele momento em diante, sabia o pobre Marnen que estava, irremediavelmente , perdido. Repousando sobre um campo de rosas brancas como seus sedosos cabelos estava a jovem. Marnen, então, ouve a voz de Wolfarcher: -Esqueça, garoto! Não se envolva com ela! É uma dríade! -Uma dríade? A dríade que falam na vila? Rosebud? -Sim, venha, vamos embora, antes que ela te enfeitice, se é que já não o fez! – Comenta Wolfarcher sorrindo. No entanto, o coração de Marnen já não lhe pertencia mais e, no outro dia, lá estava ele novamente. Logo, ela surgiria de novo. Ele aguardaria o tempo que fosse necessário. -Rosebud... Súbito, uma voz delicada vinda atrás de Marnen o retira de seus pensamentos. -O que tu fazes aqui, humano? "É ela! Como pode se aproximar de mim sem que eu percebesse?" - pensa ele, enquanto se esforça para responder. -Responda, o queres aqui? -Chamo-me Marnen, vivo na vila próxima daqui, e não te desejo mal algum, jamais deves me temer. -Tu és o amigo de Wolfarcher, não é? - Responde ela, com o semblante mais sereno e um sorriso. -Creio que me devo considerar o discípulo dele, muito tenho aprendido em sua companhia. -Então, é teu mestre. Tens a quem obedecer, jovem. -Mas, mestre algum pode comandar minha alma e coração, pois estes já comprometi em outras mãos. -Não deverias entregar tais tesouros a mais ninguém, jovem tolo, que não fosse teu mestre, para que teus passos possam ser justos e seguros na jornada. -Não creio que possa fazer mais nada a respeito, o que chamas de tesouro já não me pertencem, de forma que me encontro em estado miserável e prisioneiro. -Não te invejo - Diz a dríade sorrindo. E continua - Agora, tolo, o que será de ti? Em que mãos cruéis repousam teus tesouros? -Não creio que sejam cruéis, talvez, sim, sejam indiferentes ou ignorantes. Ignoram o que tem em mãos. -Falas por enigmas! Seja mais claro! Marnen toma suas mãos com delicadeza. -Adorável dama, tu és a fiel depositária a quem entrego com confiança minha própria alma e coração! Nada posso fazer ante o amor que se impõe ante mim e palavra alguma ou poder poderá me restituir a liberdade, pois que liberdade pode ser oferecida a um cativo que ama a própria escravidão? Sou eu teu eterno cativo, dispõe desta miserável alma como desejares, minha senhora! Após dizer essas palavras, Marnen beija as mãos da Dríade, que então o vê se levantar e partir. E neste momento ela sabe. Está irremediavelmente perdida. PARTE III O bater de asas. Toda a sua atenção naquela noite sem estrelas estava voltada para o bater de asas. Marnen estava ferido. O corte em seu braço era profundo e sangrava muito. A dor era angustiante e nublava sua concentração. Seu mestre jazia a seus pés desmaiado. Havia sofrido muitos e duros golpes. Sua vida estava nas mãos de Marnen. "Onde estará o maldito?" – Pensa ele – "Certamente está oculto entre os galhos das árvores esperando o momento certo de um golpe de misericórdia. Não posso me distrair." Horas atrás, Marnen partira em busca de seu mestre que há dias havia desaparecido. Sua busca terminou quando o encontrou ferido e combatendo uma criatura de horrível forma. Parte homem, parte pássaro, parte serpente. Juntos combateram, mas, Wolfarcher, muito ferido e sofrendo efeito de terrível envenenamento, logo tombou. Marnen lutou corajosamente, mas, este era seu primeiro combate e o inimigo extremamente selvagem e perigoso. O combate terrível quase fez tombar Marnen, mas, a criatura também ferida pela audácia, habilidade e desespero do jovem guerreiro fugiu para se refugiar entre as árvores. Marnen sabe que aquele que atingir seu próximo golpe triunfará neste combate, e embora temeroso, ele não fugirá abandonando seu mestre e amigo. É uma noite escura e sem luar, ele sabe que a criatura possui uma visão aguçada, deve tomar cuidado. Ele busca serenar seus temores, ouvir. A floresta não protegerá esta criatura. Ela lhe é estranha, ele pode sentir. Ele aguarda paciente. Crac! Um som quase inaudível a sua direita! Ele se vira e vê contra a luz do luar um vulto voando em sua direção velozmente com garras projetadas e brilhantes, um guincho de serpente sibila no ar horripilante. Num reflexo rápido, Marnen volta sua espada e a velocidade do atacante o faz empalar o tórax contra a afiada lâmina. Um novo guincho soa na noite, como uma maldição. A criatura olha para o jovem guerreiro. Desespero , ódio e por fim, desdém marcam seu último alento de vida, a órbitas oculares, subitamente, giram para cima e a cabeça tomba para trás. Seu pesado corpo cede a frente derrubando o guerreiro e involuntariamente empalando ainda mais a espada até atravessar o corpo da criatura. Ela, afinal, está morta. Marnen empurra o corpo para o lado, exausto. A batalha acabou. Volta-se para o seu meste. Com o que aprendeu com o próprio Wolfarcher, limpa seus ferimentos e deduz as plantas medicinais que deverá buscar. Uma preocupação. A planta medicinal para o envenenamento fica muito distante, como seu mestre poderá agüentar? Após meditar alguns instantes, Marnen compreende que não tem opção e resolve partir em busca das ervas medicinais. Livra-se primeiro do corpo da criatura e acomoda seu meste da melhor forma que pode. Súbito, ele sente uma nova presença. -Tanto tempo! Será possível? – Pensa ele enquanto se levanta e observa atentamente ao seu redor - Aonde estás? Peço que apareças, pois, desejo lhe falar! No mesmo instante, surge ante ele a figura de Rosebud, seu semblante é sombrio. Ela se aproxima de Wolfarcher e acaricia seu rosto. Então, ele nota que em sua mão direita encontram-se as ervas medicinais que ele julgara necessário obter. -Marnen, tome estas ervas e prepare a infusão, a vida se esvai rapidamente de seu mestre. Sê breve, eu te peço. Instantes depois , Rosebud, levanta delicadamente a cabeça de Wolfarcher e lhe oferece o estranho chá, seu aroma é forte, porém, adocicado. A expressão de seu rosto, antes carregada de dor, suaviza-se. -Ele não sentirá mais dor. – Diz Rosebud suavemente. – Tome, beba você também, pois, estás ferido – Convém que ambos descansem, fique aqui e velarei por vossa segurança. - Sinto-me curado, milady, apenas por que te importa comigo! Estás distante de teu lar, arriscas tua vida por nós! -Garoto petulante! Não me importo contigo, mas apenas com teu mestre que é meu amigo há longo tempo. Por teu mestre, estou aqui. -Tu mentes. -Sou uma dríade da floresta, e tu, desde o ínicio, estás sob meu encanto e disponho de tua vida. Ouve bem: Tu nada significas para mim. -Tu mentes – repete Marnen enquanto se aproxima.-Sou senhor de minha alma e se a depositei em tuas mãos foi porque sei que és tão minha quanto sou teu! Não há feitiço ou ardil aqui! -Tu és um tolo! Afaste-se de mim! Não permito que me toques! -Então, me afastes! Não és a senhora de minhas vontades? Onde estás o teu domínio? Domina-me! Ou resigna-te e cede. – E dizendo isto, ternamente, ele a abraça e a beija sem que força, poder ou magia algum o detenha. PARTE IV -Foi Malcolm Wormnight! Ele me encontrou e roubou-me o medalhão de Airhmgreen. Desejava também a minha morte, e só não me assassinou porque Wolfarcher, mesmo enfraquecido,, interviu. Isto custou sua vida. Marnen ouvia o relato de Rosebud aturdido em ver o corpo de seu mestre estendido em meio a rosas trazidas por Rosebud. Wolfarcher, o forte e sábio meio-elfo que tanto o ensinara agora jazia morto, assassinado pelo seu, outrora, desafeto de infância, e, agora um inimigo odiado: Malcolm Wormnight! -Tu sabes em que direção ele seguiu? -A Oeste, busca chegar a Moonriver, e lá obter a melhor oferta pelo medalhão com a Seita Negra dos Opostos. -Os Opostos estão em Moonriver? Como é possível? -Quem, você julga, enviou aquele homem-animal ao encalço de teu mestre? Marnen fica aturdido pela revelação enquanto tenta se lembrar o que seu mestre lhe dissera sobre esta misteriosa seita. Ninguém sabia quem, quantos e como se chamavam a temida seita negra que se espalhava como rastelo de pólvora acesa por todos os pontos do mundo. Chamados vulgarmente de "Os Opostos", os membros desta seita se posicionaram contra todo o sistema em que se alicerça a própria vida. Segundo boatos, eles discordam da própria criação universal trazida pelos deuses e desejam recria-la segundo sua concepção de perfeição. Um plano insano, mas que tem conquistado cada vez mais adeptos em diferentes classes e raças. Os opostos têm buscado o poder na política, economia, nas armas, igrejas e, mais do qualquer coisa, buscam poder mágico absoluto. -Os Opostos com o medalhão de Airhmgreen! Isto não pode acontecer! -Sem o medalhão, minha existência se esvai com rapidez, pois perdi meu elo com a fonte da vida que vem de meu lar. Não posso ajuda-lo. -Não necessito de sua ajuda, Rosebud. Eu e Malcolm somos velhos adversários que se conhecem muito bem! Irei encontra-lo e faze-lo pagar pela morte de Wolfarcher. Mas, agora, o que devo fazer é enterrar meu mestre, e então, partirei ao encalço de Wormnight! Dias atrás deram cena a estes acontecimentos. Com o fim das reminiscências, Marnen retoma sua concentração em discernir os rastros deixados por Wormnight. Não seria fácil, ele era um ladrão astucioso e conhecia bem a floresta. Os sinais, então, desaparecem. O que fazer? Era preciso mais do que seguir os rastros...era preciso compreender os sinais de Llwejandhe. -"A floresta deseja ser ouvida, você deve sentir sua mensagem, não compreender" – ele relembra o que Wolfarcher lhe ensinara tempos atrás – "Silencie seus pensamentos, e siga sua intuição!" Repentinamente, Marnen pressente a direção que deve tomar e sabe: O encontro com seu inimigo e assassino de seu mestre estava próximo. -Mas...O quê...- Marnen examina com mais atenção. Novos rastros, afinal, surgem. Ele os reconhece facilmente. – ORCS! Os rastros eram recentes vindos do sul e seguindo na mesma direção de Wormnight. Marnen segue velozmente. Um quarto de hora se passa quando ouve urros e sons de golpes de fio de aço. Com cuidado, se aproxima e oculto pela mata observa os acontecimentos. Três orcs comemoram sua vitória. O corpo de Wormnight jaz sobre o chão, bem como, o de um quarto orc provavelmente vencido por ele. Os orcs começam a vasculhar os pertences de Wormnight em busca de provisões e ouro. As criaturas regojizam-se com o ouro e prata da bolsa roubada, e dela, retiram também o medalhão de Airhmgreen. Marnen prepara-se para intervir, no entanto, para sua surpresa, eles se desinteressam pelo instrumento de aparência ordinária e o lançam distante que, por ironia, cai precisamente ao seu lado, por pouco não atingindo seu ombro direito. Incrédulo, ele retoma o medalhão. Sua missão está cumprida, seu inimigo ainda vive e está nas mãos de orcs que o matarão em segundos cumprindo sua vingança pela morte de seu mestre. É o momento de se retirar em silencioso triunfo. No entanto... -AAARRRGHHH! Uma flecha voa certeira até o coração do orc próximo a Wormnight. Aturdidos, os outros tentam se dirigir à direção dos disparos quando outra flecha certeira atinge mortalmente o ventre de outro orc que cai pesadamente. O terceiro estanca e começa a se voltar para a fuga quando, de espada em punho, Marnen avança sobre ele.O brilho da lâmina de seu combatente desperta o orc para a fúria do combate. Ele não entregará sua vida facilmente. Feroz, ele desfere golpe poderoso que atinge o braço esquerdo de Marnen. Este desfere um contragolpe que, no entanto, em virtude do ferimento, não é veloz o suficiente e é contido pelo Orc. -Você matou meus irmãos. Mas Ordiak levará sua cabeça como troféu, guerreiro da floresta. Respondendo a ameaça Marnen desvencilha sua arma e desequilibra o orc que, ainda assim, contra-ataca. Desta vez, no entanto, é o guerreiro da floresta que contém o golpe mortífero. Em seguida, desfere um golpe lento, porém preciso e forte que Ordiak não consegue deter. Seu ombro direito fica inutilizado. Marnen há muito conhece o modo de luta dos orcs e sabe que a defesa de Ordiak está despedaçada. Ele tenta um último e desesperado ataque. Seu desespero o torna descuidado, e Marnen se esquiva com facilidade, e em seguida sua lâmina atravessa o coração de Ordiak! Ele cai, morto. -Antes que vocês me levem, orcs, eu terei levado muitos de sua raça imunda à morte! Assim proclama Marnen de Burdûke! PARTE V Triunfante, Marnen se dirige até Wormnight que permanece desacordado. Ele retira de sua algibeira algumas plantas medicinais e, rapidamente, prepara um ungüento com o qual trata as feridas de seu inimigo. Subitamente, ele sente uma picada na altura do pescoço e tenta repelir o que parece ser um inseto. -O quê... Um zumbido. Agudo e contínuo assoma em sua audição emudecendo todos os outros sons. Sua fronte começa a verter um suór frio. Ele se levanta buscando a causa do mal que o acomete tão intensa e velozmente. Uma forte tontura toma conta de Marnen e uma profunda fraqueza arrefece sua determinação. -Envenenado – pensa ele, já perdendo os sentidos. No entanto, ainda desperto, ele volta-se ao seu inimigo caído e percebe que ele desapareceu! Seria tudo isto obra de Wormnight? Impossível! Ele estava desacordado – Quem está aí? Em resposta, uma figura surge dentre as matas, não é possível visualizar seu rosto encoberto por um capuz e capa negros, bem como todo o seu traje. O terror toma conta de Marnen, pois ele é incapaz de reagir sentindo todo o seu corpo paralisado e petrificado. Será magia? Ele estará enfrentando um mago negro? Sua dúvida se dissipa quando este retira uma de suas luvas: sua mão é apodrecida, descarnada, morta-viva! -Um morto-vivo! – pensa Marnen, tentando reaver suas forças desesperadamente para empunhar suas armas para uma luta de vida e morte. Ou talvez, um destino pior do que o mais tenebroso pesadelo. Mas, antes que possa reagir, a mão da criatura já está apertando seu pescoço. O toque é gélido, viscoso. Suas memórias, sua vida começa a surgir em sua mente e desaparecer. Sua vida está se esvaindo. Marnen consegue, então, num esforço supremo, golpear a criatura. Um golpe fraco, mas, ainda assim, seu punho direito atravessa o ventre apodrecido de seu antagonista. Então, acontece. A criatura urra de dor. E se afasta velozmente desaparecendo na floresta. Marnen observa seu punho tentando compreender, pois, seu fraco golpe não pode ter sido tão decisivo. Então, ele se lembra e vê que havia amarrado em seu pulso o medalhão de Airhmgreen. E desmaia. -Senhor, senhor! Acorde! Marnen abre os olhos e vê um garoto. Seu corpo está tomado por dores. Instintivamente, leva sua mão ao pescoço e encontra e puxa uma ponta de dardo que estava lá cravada: fora envenenado! Uma droga que lhe provocou alucinações! -Quem é você, garoto? -Me chamo Balarth, senhor! Vivo em Arndach, vila próxima daqui. Vi o senhor e seu amigo caídos e resolvi acordá-los! Marnen volta-se rapidamente e, para seu alívio, observa que Wormnight permanece caído ao seu lado e o medalhão ainda está atado a seu pulso. – Mas,se o objetivo daquela estranha aparição não era libertar o ladrão ou possuir o medalhão de Airhmgreen, qual seria? – perturba-se Marnen de Burdûke sem , no entanto, conseguir imaginar a resposta deste mistério. -Muito bem, Balarth, eu te agradeço. Vamos, preciso seguir até tua vila. Guia-me até lá! Então, Marnen, recuperado , carrega Wormnight até o vilarejo de Arndach, que fica há apenas meia hora de caminhada dali. Deixando-o nas mãos do prefeito local que reconhece, o já considerado perigoso, Wormnight imediatamente e alegra-se com o seu aprisionamento. -Entregue-o a justiça do Lorde destas terras, peço que não faças tu o julgamento. -Seja assim, rapaz,dou-lhe minha palavra. Mas, quem és tu? Marnen medita suas palavras por um instante, por fim, responde ao prefeito: Chame-me Wolfarcher, vivo na floresta, e encontrei este derrotado pelos orcs. Não posso me demorar, conto convosco, adeus! -Bom trabalho, Wolfarcher! Nos veremos de novo, tenho certeza! Enquanto retorna, Marnen Wolfarcher medita seus atos. Wormnight não merecia morrer nas mãos de Orcs, nem ele seria o carrasco covarde de um inimigo caído. Agora, ele está entregue a justiça e o coração de Marnen está sereno. Ele sabe que seu mestre teria preferido assim. Marnen se pergunta o que o levou a ousadia de usar o nome de seu mestre como seu. Agiu sem pensar levado por um impulso inexplicável e repentino. Mas, lembra-se das palavras de seu mestre: "Você deve ouvir a voz em seu coração. Sentir o desejo das matas, e não simplesmente tentar compreender" Teria Llwejandhe expressado sua vontade,através dele? Não tentaria compreender. Wolfarcher a partir deste dia, ele seria! O retorno é muito mais breve, pois, seguir rastros é uma demanda cuidadosa e demorada. Wolfarcher apressa-se ainda mais pela vida de Rosebud. E de fato, a encontra enfraquecida, porém, viva. -Aqui, senhora, teu medalhão. Ela o retoma em silêncio. Após um longo instante, em que parece recuperar as forças, afinal, ela diz: -Vai embora! -Tu assim o desejas? -A floresta assim o quer. Teu aprendizado aqui acabou.Assim julga e sentencia Llwejandhe. -Também pressinto isto. Creio que, à sua maneira, Llwejandhe me foi revelou isto durante minha viagem. Fatos estranhos ocorreram nesta busca. Mistérios que devo solucionar e percebo, as respostas se encontram distantes daqui. Todavia, eu retornarei. -Não faça promessas tolas, não sabe o teu destino. -Meu destino é retornar quando cumprir o que o destino me reserva, Rosebud, e o teu é aguardar por mim.A senhora torna-se, então, escrava de seu escravo. Sem dizer mais palavras, ele vai embora, sem se voltar enquanto Rosebud observa-o e lágrimas ardentes escorrem por sua face. E próximo dali...entre as sombras das matas, um terceiro personagem observa a tudo atentamente... - Tu me surpreendeste, Marnen...Wolfarcher! No entanto, tua queda não tardará! Assim jura, aquele que te odeia mais do que qualquer um! Não descansarei até ver tua desgraça e rir sobre teu túmulo. Este é o meu juramento!

FIM